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.- A ÁRVORE QUE O SÁBIO VÊ, NÃO É A MESMA ÁRVORE QUE O TOLO VÊ! William Blake, londrino, 1800.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Fui um de seus sonhos

Há pouco tempo num cruzeiro a caminho do Marrocos, ouvi anunciarem que estávamos passando pelo Estreito de Gibraltar, um canal que liga o Oceano Atlântico ao Mar Mediterrâneo. Gibraltar é uma pequena península localizada ao sul da península Ibérica, território britânico limitado ao norte por uma estreita fronteira terrestre com a Espanha. Também é conhecida como The Rock; O Rochedo. Quando anunciaram, senti uma velha e conhecida dor; a dor da saudade. Olhando para o lado de Gibraltar pude reconhecer como num dejà vu, o rochedo tantas vezes descrito por meu pai. Quase pude sentir as pedras que o então menino José, com apenas dez anos sentiu ferindo seus pés numa noite escura de outubro de 1923. Era um casal e seus oito filhos, entre eles meu pai, fugindo de uma guerra civil estúpida como são todas as guerras. Camponeses humildes, que de valioso tinham os filhos e os sonhos. Na Pedra dos Ingleses, como eles denominavam Gibraltar, depois de se aventurarem de Oria na região de Almeria na Espanha com o transporte que conseguiam, muitas vezes a pé, tomaram o vapor Córdoba no Porto de Gibraltar a 3 de Outubro de 1923, a caminho do Brasil e da realização de seus sonhos.

Aqui o menino José cresceu, e aprendeu a trabalhar e amar a planta que ele nunca vira em sua árida e montanhosa terra natal, com suas oliveiras e figueiras; a lavoura de café. Aqui ele conheceu e se casou com sua Maria, também espanhola, e tiveram cinco filhos. Viveram juntos por mais de sessenta anos, numa relação de afeto e companheirismo que beirava a perfeição; só se separaram com o inevitável da morte, mas por pouco tempo; Maria se juntou a ele 10 meses depois.

Dizem que espanhol é bravo, teimoso, briguento; meu pai foi a pessoa mais doce, mais acolhedora e tranqüila que conheci. Jamais alterou a voz ao falar comigo, nenhuma rispidez ou palmada. Dizem meus irmãos mais velhos que com eles houve um pouco mais de rigor; talvez tenha sido mais condescendente com os dois filhos menores e temporões e principalmente com a única filha, que nasceu quando ele já tinha 40 anos. Amava seu trabalho de uma forma comovente; já casada e morando distante, toda vez que ia visitá-los passeava com ele pelo cafezal. Seus olhos brilhavam e ainda hoje quando penso nele quase sinto o perfume das flores brancas que enfeitavam o verde dos pés de café durante a florada. Amava sua família incondicionalmente; trabalhou muito com o único objetivo de nos proporcionar conforto e um futuro sem as dificuldades que ele tão bem conhecia. Meu pai nunca quis retornar à Espanha; esta era a sua terra...Mas em algum canto de seu coração havia uma dor inevitável que eu pude presenciar. A primeira vez que estive na Espanha, quando ele ainda era vivo, fui até sua cidade e de lá lhe telefonei; e ele chorou...Minha filha Luciana dançava flamenco, e ele teve oportunidade de vê-la dançando e também chorou...

Meu pai partiu aos poucos... Começou a partir quando a vitalidade começou abandoná-lo, estando com mais de oitenta e cinco anos e aparentando muito menos. Quando a lida com seu amado cafezal se tornou impossível, ele partiu mais um pouco...A doença e a depressão melancólica pela perda de energia que acomete o idoso, o levou mais um tanto. Com o agravamento de sua doença e com mais de noventa anos foi hospitalizado. Todos os dias eu falava várias vezes com meus irmãos que se recusavam a enxergar que ele estava partindo definitivamente e me tranqüilizavam, até o dia em que meu sobrinho Sandro atendeu o telefone e me informou que meu pai estava já inconsciente há algum tempo. Viajamos imediatamente e chegamos no hospital tarde da noite; meus irmãos quiseram pernoitar e me mandaram descansar. No dia seguinte muito cedo fui para o hospital e disse a eles que poderiam ir pra casa e voltarem mais tarde. Fiquei sozinha com meu pai, e depois de acariciar seu rosto e lhe falar por alguns minutos, me distrai por um instante, e antes de olhá-lo novamente, o silêncio e a intuição me disseram que ele havia partido para sempre; foi a última vez que o chamei....e a única que ele não me respondeu.....foi um pai muito presente e amoroso. Alguns disseram que ele me esperou para se despedir; não duvido....Partiu no dia 13 de junho de 2004; dois dias antes do meu aniversário de 53 anos.

Há algum tempo por insistência de minha filha Fernanda, requisitei minha cidadania espanhola. Sem muito entusiasmo levei a documentação necessária ao consulado espanhol em São Paulo, e quando disse ao funcionário que estava solicitando a cidadania ele me disse; _” A senhora está recuperando sua cidadania; pelas leis espanholas a cidadania é dada pelo sangue, a senhora a perdeu aos 18 anos quando não fez sua documentação, mas recuperá-la é um direito seu”. Meus olhos se encheram de lágrimas pois não esperava essa herança que pude passar aos meus filhos e poderei passar aos meus netos; a cidadania Espanhola.

Meu pai foi um homem feliz e realizou seus sonhos; um trabalho honesto que ele amava, uma boa esposa...e linda, bons filhos, treze netos amorosos, conheceu oito bisnetos . Fui um de seus sonhos; isso já me basta pra honrá-lo por toda minha vida.

Rosa Marin Emed


      Rosinha, muito obrigado. Um grande abraço.

5 comentários:

  1. Texto maravilhoso da Rosinha. Tive a oportunidade de ler e comentar no Facebook. Como sempre muito bem escrito e emocionante.
    Aguardamos o livro da Rosinha!!!!! Se pressão valer, a minha já começou há algum tempo!!!

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  2. Emocionante e divino, é o que posso dizer dessa postagem.
    Tocante!
    Adorei!
    bjs
    Ritinha

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  3. TAMBÉM POSTEI NO MEU BLOGUINHO MAS,NÃO SEI FAZER TÃO BEM FEITA COMO A SUA,SÉRGIO.....E ESSE TEXTO,COMO SEMPRE,A ROSINHA ARRAZOU...PARABÉNS!COMO É BOM TER PESSOAS TÃO ESPECIAIS EM NOSSAS VIDAS.
    ROSINHA.....LIVRO JÁ. BJOS.

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  4. Rosinha, seu escrito FUI UM DE SEUS SONHOS é repleto de emoções, que Você tão bem soube transcrever para o papel.
    Ao ler o trecho “Fiquei sozinha com meu pai, e depois de acariciar seu rosto e lhe falar por alguns minutos, me distrai por um instante, e antes de olhá-lo novamente, o silêncio e a intuição me disseram que ele havia partido para sempre; foi a última vez que o chamei..., e a única que ele não me respondeu..., foi um pai muito presente e amoroso. Alguns disseram que ele me esperou para se despedir; não duvido...”, não consegui impedir que meus olhos marejassem e não sentisse um nó na garganta!

    Palidamente senti parte da emoção que tomou conta do seu coração nesse momento tão fugaz, mas nem por isso menos profundo. É um segundo que separa dois mundos, dois padrões vibratórios tão próximos e tão distintos. É tudo uma questão de frequência, mas nem por isso menos importante ou menos marcante. Esse atimo de tempo confirma a sabedoria do caipira, dizendo que na vida só existem dois momentos marcantes: o da união e o da separação. O resto do tempo passamos anestesiados pela correria da vida. E a vida passa tão rápida...
    Lembrei do poeta Elpídio dos Santos com seu poema musical, A Dor Da Saudade.
    A dor da saudade / Quem é que não tem / Olhando o passado / Quem é que não sente / Saudade de alguém...
    Vide link http://www.youtube.com/watch?v=Yv_w4qzg2c0
    Minha mãe, nas nossas conversas, sempre repetia que na esquina do tempo mora a saudade. Vai daí que “quem é que não sente saudade de alguém”.
    Emmanuel, através da psicografia de Chico Xavier, deixou a página Palavras de Esperança, que considero lindíssima. “Se não admites a sobrevivência depois da morte, interroga aqueles que viram partir os entes mais caros.
    Inquire os que afagaram as mãos geladas de pais afetuosos, nos últimos instantes do corpo físico; sonda a opinião das viúvas que abraçaram os esposos, na longa despedida, derramando as agonias do coração, no silêncio das lágrimas; informa-te com os homens sensíveis que sustentaram nos braços as companheiras emudecidas, tentando, em vão, renovar-lhes o hálito na hora extrema; procura a palavra das mães que fecharam os olhos dos próprios filhos, tombados inertes, nas primaveras da juventude ou nos brincos da infância...”

    Deixo-lhe meus parabéns. Seu escrito descreve de maneira serena toda a dor da despedida, porta aberta para a saudade. Você conseguiu com muita propriedade, descrever o mesmo sentimento descrito por Emmanuel, em 02 de junho de 1961.
    Desculpe ter me alongado no comentário.

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  5. Minha querida irmão, o seu relato foi muito emocionante e dito com o coração. Não foi repetir neste precioso espaço tudo o que te disse em comentário no face, mas reitero tudo o que penso a seu respeito. Beijos, teu irmão BELTRAN

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