Estamos a morrer de doenças causadas pela faca e o garfo'
Com um discurso quase radical em relação aos produtos de origem animal, à farinha refinada, ao açúcar e às gorduras, os conselhos do médico americano Joel Fuhrman chegam agora a Portugal, com o lançamento do seu segundo livro, Comer para Viver.
'Estamos a morrer de doenças causadas pela faca e o garfo'
Os livros com a sua assinatura já venderam mais de um milhão de exemplares nos EUA (em Portugal, o seu Super Imunidade vai na terceira edição). Os programas de televisão em que participa são vistos por dezenas de milhões de telespectadores. Todos os dias recebe centenas de e-mails: uns agradecem por lhes ter salvo a vida, outros afirmam que as suas doenças desapareceram ou que perderam imenso peso. Guru na forma de agir e falar, este médico norte-americano é peremptório: "Temos de mudar a forma de olhar a comida. Há que voltar à natureza, comer local, preferir frutas e vegetais, em vez de comida processada e produtos animais." Uma receita que, segundo Joel Fuhrman, não só dá longevidade como protege o planeta.
Desde quando se dedica a investigar os efeitos da comida na saúde?
Sempre foi o meu hobby. Fui estudar medicina, em 1984, porque tinha interesse no poder da nutrição na prevenção e reversão de doenças. A medicina estava a ir na direção errada e a nutrição já me parecia ser a avenida por onde as pessoas deveriam seguir, para prevenir o cancro, ataques de coração, demência, diabetes.
Chegou a que conclusões, desde então?
As pessoas estão a sofrer e a morrer de doenças causadas pela faca e o garfo, sem necessidade. A ciência da nutrição evoluiu de tal forma que pode afirmar-se, com integridade científica, que os ataques cardíacos, tromboses ou demência, não são uma obrigatoriedade, nos velhos. E podemos ganhar a guerra ao cancro.
Desde quando é que as nossas doenças são causadas pela comida?
Desde os anos 1940 e 1950, quando houve um aumento brutal das taxas de cancro e doenças do coração. Mas já no século XVIII se assinalavam muitas mortes prematuras, causadas por uma dieta que não era a mais adequada. Só que, agora, podemos apontar mais facilmente de que alimentos precisamos para promover a longevidade humana.
E que alimentos são esses?
São aqueles a que chamo Gbombs: Green vegetables (vegetais), Beans (leguminosas), Onions (cebola), Mushrooms (cogumelos), Berries (bagas) e Seeds (sementes).
O que mudou na nossa alimentação, a partir de 1940? Come-se mais comida processada, açúcar, óleos, derivados de animais. Quando se exportou este tipo de comida, os casos de doença cardíaca, diabetes e cancro aumentaram significativamente nos países importadores.
Que outros alimentos devíamos largar?
Arroz branco, massas brancas, pão branco, tudo o que seja feito à base de farinhas refinadas.
Em suma, abandonar aquelas dietas em que se come pão, bolos, bolachas, massas, cereais de pequeno-almoço e se bebem refrigerantes. É de loucos, meter estes alimentos vazios de nutrientes e cheios de calorias no corpo e pensar que não se paga um preço. Somos o que comemos.
Quais os principais efeitos que esses alimentos provocam?
Não é apenas por não terem nutrientes que as comidas processadas devem ser evitadas são absorvidas tão rapidamente que fazem disparar os níveis de insulina. A ciência está a descobrir que a combinação da comida processada com elevados níveis de produtos animais é promotora de cancro.
Quais são os segredos da sua fórmula?
São as Gboms. O principal é comer uma grande salada todos os dias, usando nozes ou sementes para temperar, em vez de azeite.
Assim, há sinergia de macronutrientes para que o corpo resista às doenças e se viva mais tempo.
Não há lugar para carne, peixe ou ovos?
Há, mas nunca em mais do que uma refeição por dia, em pequenas quantidades - cerca de 10% das calorias ingeridas.
Não se pode comer ovos com queijo de manhã, um pedaço de carne ao almoço, um prato de peixe ao jantar e esperar continuar saudável. Há que comer cereais integrais, fruta fresca e bagas ao pequeno-almoço, sopa de feijão e vegetais e uma salada ao almoço, e peixe ou ovos ao jantar.
Em Portugal, come-se muito pão. Sei que também o considera nocivo.
Quanto mais branco for o pão, mais cedo se morrerá. Ele transforma-se em açúcar, produzindo insulina e fazendo com que o pâncreas trabalhe demais. O consumo de pão, arroz branco e açúcar aumenta o risco de diabetes, doenças cardíacas e cancro. Queremos que as pessoas parem de fazer mal a si próprias através de alimentos que não foram desenhados para a nossa espécie. Não quero dizer que é proibido comer pão podem fazer um com mistura de grãos e cereais integrais, por exemplo, mas nunca de trigo branco. Há receitas ótimas, sem serem baseadas em farinha e açúcar.
Tem de concordar que é difícil cumprir a sua dieta, quando comemos metade das nossas refeições em restaurantes.
Os restaurantes também têm de mudar. Difícil é ter uma trombose, ficar sem mexer um braço, não conseguir tomar conta da família.
Comer saudável pode ser divertido e fácil, dá-nos poder para controlar a nossa saúde e sentirmo-nos bem. Talvez seja um pouco difícil mudar de hábitos, no início, mas a diferença é muito poderosa e os benefícios são tremendos.
O que é preciso para essa mudança?
Educação. Há 60 anos, as pessoas achavam que não havia problema em fumar, isso não ia matá-las. Mas houve quem parasse quando percebeu que os cigarros faziam mal. Algumas dietas da atualidade são tão perigosas como fumar cigarros, estão a matar pessoas e a destruirlhes a vida.
Há que lutar contra a obesidade como lutámos contra o tabaco?
Não se trata apenas de obesidade. Temos de parar de comer farinha e açúcar, combater a junk food e a comida processada. As pessoas têm de se preocuparem com a sua saúde.
Pode explicar-me a equação que criou, a S=N/C?
A esperança de vida saudável está dependente da relação dos nutrientes com as calorias.
O foco deve estar em comer alimentos com elevados níveis de nutrientes, que são os vegetais.
As pessoas procuram-no apenas quando estão doentes ou obesas?
É muito gratificante ver o resultado em pessoas que perderam imenso peso, mas há muita gente que quer prevenir doenças no futuro, dizer não ao cancro, à demência ou às tromboses.
Querem ser saudáveis, por muito tempo.
Até nos EUA, onde há uma percentagem enorme de pessoas com excesso de peso e obesidade e todos os problemas associados?
Também temos uma crescente população de entusiastas da saúde. Há cada vez mais restaurantes e lojas de comida saudável.
Apesar de o seu livro reportar à realidade americana, também faz sucesso noutros países. Porque será?
Porque estão a cometer o mesmo tipo de erros do que nós. A Europa não está a sair-se bem: as percentagens de cancro e diabetes, por exemplo, são elevadas. O mundo inteiro está a sofrer as consequências de comer demasiado açúcar, carne ou farinhas refinadas.
Não acha, portanto, que a Dieta Mediterrânica é saudável, apesar de ter sido agora considerada como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO?
Pode ser melhor do que a americana, mas não quer dizer que seja boa. Usa-se imenso azeite, massa e queijo. O que a salva é o molho de tomate, as nozes e as sementes.
Também desaconselha o leite porquê?
Bebê-lo faz subir a proteína IGF-1, que promove cancro da mama e da próstata. Esta bebida vem de um animal cujo crescimento é estimulado e essa estimulação vai acabar por promover a replicação de células cancerígenas no ser humano.
Desde quando começou a alimentar-se assim?
Na adolescência. Fazia parte da seleção de skate e queria melhorar a minha performance sem ficar doente.
E em sua casa, comem todos assim?
Sim, e gostam. As minhas filhas são verdadeiras chefs, fazem comida incrível.
Nenhum dos seus quatro filhos mostrou, em algum momento, qualquer espécie de resistência?
Sempre que vão a uma festa, damos-lhes liberdade para fazerem as suas escolhas. Mas, basicamente, a maior parte da dieta deles é saudável e sempre gostaram.
E nunca ficam doentes?
Têm muita resistência e não me lembro de tomarem medicamentos. As comidas que nos protegem de desenvolver cancro também nos livram de vírus e bactérias.
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