Cliquem aqui, http://radiovitrolaonline.com.br/, acionem a Rádio Vitrola, minimizem e naveguem suavemente sem comerciais.

.- A ÁRVORE QUE O SÁBIO VÊ, NÃO É A MESMA ÁRVORE QUE O TOLO VÊ! William Blake, londrino, 1800.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

A grande chegada

Para o observador de aves no litoral do Paraná, setembro é certamente o mês mais espetacular do ano. Devido à migração, em nenhum outro período do ano se vê tantas espécies e com tamanha facilidade. Deixe-me ilustrar isso com cifras: nos meus dez anos de residência no litoral norte, tenho visto o maior número de aves nos meses de setembro, outubro e agosto, com totais mensais acumulados de 236, 220 e 218 espécies, respectivamente.
No Primeiro planalto, incluindo Curitiba, o mês mais rico em aves não é setembro, mas é outubro, pela razão das aves migratórias ali chegarem um pouco mais tarde.
Em qualquer parte do Sul, a partir do fim de agosto até o fim de outubro é recomendável fazer longos passeios diários, pois neste período qualquer saído a campo trará surpresas emocionantes.
No último domingo (22 de setembro) saí caminhando abaixo do guarda-chuva em direção ao arrozal de Tagaçaba de Cima. Tendo chegado ali, continuou chovendo. Assim fiquei durante uma hora observando as aves por debaixo de uma cobertura na sede da fazenda, onde me faziam companhia um gato e o cão do olho albino. Espalhado pelo arrozal havia um bom número de pontos preto-branco, representando exemplares do pernilongo-de-costas-brancas (Himantopus melanurus). De longe eu estava sendo vigiado por uma grande quantidade de marrecas, todos de pescoços verticalmente esticados, lembrando o periscópio de um submarino, para poder me enxergar por cima do dique. A menor suspeita todas essas marrecas desconfiadas levantavam voo e assim pude conta-las: o bando consistia de aproximadamente cem irerês (Dendrocygna viduata) e seis exemplares da asa-branca (Dendrocygna autumnalis). Devido à chuva constante, a maioria das aves presentes no arrozal estava pouco ativa, com a notável exceção das andorinhas, que não interromperam os seus voos alimentares rasos sobre a área, principalmente na parte alqueivada do arrozal. Eram cinco espécies, inclusive um grande número da recém-chegada andorinha-de-bando (Hirundo rustica; NL boerenzwaluw, AL Rauchschwalbe).
Numa breve trégua da chuva finalmente saí da proteção da cobertura e fui percorrendo uma parte da rede extensa de pequenos diques que separam as parcelas. O cão, que tinha se mostrado bastante entediado pela chuva demorada, seguiu-me com alegria contagiante. Junto vimos alguns exemplares das espécies esperadas, como frango-d’água-comum (Gallinula galeata), jaçanã (Jacana jacana), narceja (Gallinago paraguaiae) e três espécies de garças brancas de longe. Mas então veio uma grande surpresa! Quando apontei o binóculo para dois indivíduos de outra espécie esperada nesta época do ano, o batuiruçu (Pluvialis dominica), vi bem perto deles um par de uma ave com o mesmo tamanho do canário-da-terra-verdadeiro (Sicalis flaveola), desconsiderando o bico, que era bem mais comprido e fino e a ave se comportou como um maçarico! Então tinha voltado a chover e não pude consultar o meu guia de campo, que estava protegido num saco plástico dentro da minha mochila. Mais tarde, de volta em casa, após ter consultado vários livros, cheguei à conclusão que essa foi o primeiro registro paranaense do maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla), já conhecida dos estados vizinhos.(a)
Ontem voltei ao mesmo arrozal, essa vez acompanhada do meu vizinho, Sr. Nelson Uve. O tempo estava ensolarado e soprava um vento frio, o que resultou numa visibilidade perfeita. Não vimos mais o maçarico-rasteirinho, mas encontrávamos duas espécies adicionais de maçaricos (veja Tabela 1) e, para coroar o nosso dia, a rara garça-real (Pilherodius pileatus), tratando se de um indivíduo magnífico de pescoço amarelo intenso!
Além destes, o evento que mais me emocionou aconteceu anteontem (24 de setembro). Estava fazendo a minha caminhada de sempre pela estrada não asfaltada para Guaraqueçaba, a rodovia PR-405 e chegando ao km 47 (a meio distancia entre os rios Bananal e Serra Negra), de repente começou a chover andorinhas-de-bando! Vieram do lado do arrozal alqueivado e todas me passavam voando na mesma direção. Ao longo dos quinze minutos que permaneci ali parado devem ter passado uns mil exemplares desta espécie! O meu êxtase foi interrompido às 18h15min, pela chegada do ônibus de Guaraqueçaba, que me levou de volta para casa. No Google Earth vi que a direção do movimento migratório por mim testemunhado, foi sul, de forma exata!
Nos meus trinte e cinco anos brasileiros, essa foi a primeira vez que tive a sorte de estar no momento e no lugar certo para poder fazer um flagrante da espetacular migração desta espécie que provém de tão longe.
Aquela mesma noite chegou uma nova onda de frio: às 4 horas da madrugada fui obrigado a me levantar para colocar mais um cobertor e naquela hora vi que a temperatura na varanda tinha baixado para 7 ˚C. Que azar para todas essas aves recém-chegadas!

Quem neste momento caminha pela PR-405 terá uma bela surpresa: no pé dos barrancos começou a florada da orquídea terrícola Prescottia densiflora. Superficialmente lembra um pouco do tanchagem (Plantago), mas as suas pétalas são brancas (veja Macagnan et al. 2011). Sobre a flora típica dos barrancos das estradas do litoral norte tenha pronta outra carta, cuja distribuição deixarei para uma próxima vez.

Para os interessados segue a minha listinha (Tabela 1) dos primeiros registros da chegada das aves migratórias neste ano.

Tabela 1. Os primeiros registros de André das aves 'do verão' no litoral norte do Paraná, em 2013.
Data
Espécies
28 de agosto
bem-te-vi-pirata (Legatus leucophaius)
29 de agosto
andorinha-serradora (Stelgidopteryx ruficollis)
31 de agosto
andorinha-do-campo (Progne tapera)
2 de setembro
maçarico-de-perna-amarela (Tringa flavipes)
8 de setembro
bem-te-vi-rajado (Myiodynastes maculatus), gavião-tesoura (Elanoides forficatus), saí-andorinha (Tersina viridis)
19 de setembro
juruviara (Vireo olivaceus), suiriri (Tyrannus melancholicus)
20 de setembro
andorinhão-do-temporal (Chaetura meridionalis)
21 de setembro
peitica (Empidonomus varius), tesourinha (Tyrannus savana)
22 de setembro (arrozal Tagaçaba de Cima)
andorinha-de-bando (Hirundo rustica), batuiruçu (Pluvialis dominica), maçarico-de-sobre-branco (Calidris fuscicollis), maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla), maçarico-solitária (Tringa solitaria)
25 de setembro (arrozal Tagaçaba de Cima)
maçarico-de-colete (Calidris melanotus), maçarico-grande-de-perna-amarela (Tringa melanoleuca)

Ainda não chegaram aqui o tuju, anambé-branco-de-bochecha-parda, beija-flor-de-veste-preta, beija-flor-de-rabo-branco, tiziu e bigodinho. A mãe-de-lua ainda não voltou a cantar.

(a) A única outra possibilidade seria o maçariquinho (Calidris minutilla), mas esta teria as costas mais escuras do que lembro ter visto e é ainda algo menor. Essa também não foi registrada para o Paraná.


REFERÊNCIAS
Macagnan, T.A., E. de C. Smidt & C.O. de Azevedo. 2011. A subtribo Cranichidinae Lindl. (Orchidaceae) no Estado do Paraná, Brasil. Revista Brasil. Bot. 34: 447-461.

(André de Meijer, 26 de setembro de 2013)

André, mais uma vez obrigado por compartilhar com o bloguito suas observações. Um grande abraço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário