Para o observador de aves no litoral do
Paraná, setembro é certamente o mês mais espetacular do ano. Devido à migração,
em nenhum outro período do ano se vê tantas espécies e com tamanha facilidade.
Deixe-me ilustrar isso com cifras: nos meus dez anos de residência no litoral
norte, tenho visto o maior número de aves nos meses de setembro, outubro e
agosto, com totais mensais acumulados de 236, 220 e 218 espécies,
respectivamente.
No Primeiro planalto, incluindo
Curitiba, o mês mais rico em aves não é setembro, mas é outubro, pela razão das
aves migratórias ali chegarem um pouco mais tarde.
Em qualquer parte do Sul, a partir do
fim de agosto até o fim de outubro é recomendável fazer longos passeios
diários, pois neste período qualquer saído a campo trará surpresas emocionantes.
No último domingo (22 de setembro) saí
caminhando abaixo do guarda-chuva em direção ao arrozal de Tagaçaba de Cima.
Tendo chegado ali, continuou chovendo. Assim fiquei durante uma hora observando
as aves por debaixo de uma cobertura na sede da fazenda, onde me faziam
companhia um gato e o cão do olho albino. Espalhado pelo arrozal havia um bom
número de pontos preto-branco, representando exemplares do pernilongo-de-costas-brancas
(Himantopus melanurus). De longe eu estava
sendo vigiado por uma grande quantidade de marrecas, todos de pescoços verticalmente
esticados, lembrando o periscópio de um submarino, para poder me enxergar por cima
do dique. A menor suspeita todas essas marrecas desconfiadas levantavam voo e
assim pude conta-las: o bando consistia de aproximadamente cem irerês (Dendrocygna
viduata) e seis exemplares da asa-branca (Dendrocygna autumnalis). Devido à chuva constante, a maioria das aves presentes no arrozal
estava pouco ativa, com a notável exceção das andorinhas, que não interromperam
os seus voos alimentares rasos sobre a área, principalmente na parte alqueivada
do arrozal. Eram
cinco espécies, inclusive um grande número da recém-chegada andorinha-de-bando (Hirundo rustica; NL boerenzwaluw, AL
Rauchschwalbe).
Numa breve trégua da chuva finalmente saí
da proteção da cobertura e fui percorrendo uma parte da rede extensa de
pequenos diques
que separam as parcelas. O cão, que tinha se mostrado bastante entediado pela
chuva demorada, seguiu-me com alegria contagiante. Junto vimos alguns
exemplares das espécies esperadas, como frango-d’água-comum (Gallinula galeata), jaçanã (Jacana jacana), narceja (Gallinago
paraguaiae) e três espécies de garças brancas de longe. Mas então veio uma
grande surpresa! Quando apontei o binóculo para dois indivíduos de outra
espécie esperada nesta época do ano, o batuiruçu (Pluvialis dominica), vi bem perto deles um par de uma ave com o mesmo
tamanho do canário-da-terra-verdadeiro (Sicalis
flaveola), desconsiderando o bico, que era bem mais comprido e fino e a ave
se comportou como um maçarico! Então tinha voltado a chover e não pude consultar
o meu guia de campo, que estava protegido num saco plástico dentro da minha
mochila. Mais tarde, de volta em casa, após ter consultado vários livros, cheguei
à conclusão que essa foi o primeiro registro paranaense do maçarico-rasteirinho (Calidris
pusilla), já conhecida dos estados vizinhos.(a)
Ontem voltei ao mesmo
arrozal, essa vez acompanhada do meu vizinho, Sr. Nelson Uve. O tempo estava
ensolarado e soprava um vento frio, o que resultou numa visibilidade perfeita. Não
vimos mais o maçarico-rasteirinho, mas encontrávamos duas espécies adicionais
de maçaricos (veja Tabela 1) e, para coroar o nosso dia, a rara garça-real (Pilherodius pileatus), tratando se de um
indivíduo magnífico de pescoço amarelo intenso!
Além destes, o evento que mais me
emocionou aconteceu anteontem (24 de setembro). Estava fazendo a minha
caminhada de sempre pela estrada não asfaltada para Guaraqueçaba, a rodovia
PR-405 e chegando ao km 47 (a meio distancia entre os rios Bananal e Serra
Negra), de repente começou a chover andorinhas-de-bando! Vieram do lado do
arrozal alqueivado e todas me passavam voando na mesma direção. Ao longo dos
quinze minutos que permaneci ali parado devem ter passado uns mil exemplares
desta espécie! O meu êxtase foi interrompido às 18h15min, pela chegada do
ônibus de Guaraqueçaba, que me levou de volta para casa. No Google Earth vi que
a direção do movimento migratório por mim testemunhado, foi sul, de forma
exata!
Nos meus trinte e cinco anos brasileiros,
essa foi a primeira vez que tive a sorte de estar no momento e no lugar certo para
poder fazer um flagrante da espetacular migração desta espécie que provém de
tão longe.
Aquela mesma noite chegou uma nova onda
de frio: às 4 horas da madrugada fui obrigado a me levantar para colocar mais
um cobertor e naquela hora vi que a temperatura na varanda tinha baixado para 7
˚C.
Que azar para todas essas aves recém-chegadas!
Quem neste momento caminha pela PR-405
terá uma bela surpresa: no pé dos barrancos começou a florada da orquídea
terrícola Prescottia densiflora.
Superficialmente lembra um pouco do tanchagem (Plantago), mas as suas pétalas são brancas (veja Macagnan et al. 2011). Sobre a flora típica dos
barrancos das estradas do litoral norte tenha pronta outra carta, cuja
distribuição deixarei para uma próxima vez.
Para os interessados segue a minha listinha (Tabela 1) dos
primeiros registros da chegada das aves migratórias neste ano.
Tabela 1. Os primeiros
registros de André das aves 'do verão' no litoral norte do Paraná, em 2013.
Data
|
Espécies
|
28
de agosto
|
bem-te-vi-pirata
(Legatus leucophaius)
|
29
de agosto
|
andorinha-serradora
(Stelgidopteryx ruficollis)
|
31
de agosto
|
andorinha-do-campo
(Progne tapera)
|
2
de setembro
|
maçarico-de-perna-amarela (Tringa flavipes)
|
8
de setembro
|
bem-te-vi-rajado
(Myiodynastes maculatus),
gavião-tesoura (Elanoides forficatus),
saí-andorinha (Tersina viridis)
|
19
de setembro
|
juruviara
(Vireo olivaceus), suiriri (Tyrannus
melancholicus)
|
20
de setembro
|
andorinhão-do-temporal
(Chaetura meridionalis)
|
21
de setembro
|
peitica
(Empidonomus varius), tesourinha (Tyrannus savana)
|
22
de setembro (arrozal Tagaçaba de Cima)
|
andorinha-de-bando
(Hirundo rustica), batuiruçu (Pluvialis
dominica), maçarico-de-sobre-branco (Calidris
fuscicollis), maçarico-rasteirinho (Calidris pusilla), maçarico-solitária (Tringa
solitaria)
|
25
de setembro (arrozal Tagaçaba de Cima)
|
maçarico-de-colete (Calidris
melanotus), maçarico-grande-de-perna-amarela (Tringa melanoleuca)
|
Ainda não chegaram
aqui o tuju, anambé-branco-de-bochecha-parda, beija-flor-de-veste-preta,
beija-flor-de-rabo-branco, tiziu e bigodinho. A mãe-de-lua ainda não voltou a
cantar.
(a) A única outra
possibilidade seria o maçariquinho (Calidris
minutilla), mas esta teria as costas mais escuras do que lembro ter visto e
é ainda algo menor. Essa também não foi registrada para o Paraná.
REFERÊNCIAS
Macagnan, T.A., E. de C. Smidt & C.O. de Azevedo. 2011. A subtribo Cranichidinae Lindl. (Orchidaceae) no Estado do Paraná, Brasil. Revista Brasil. Bot. 34: 447-461.
(André de Meijer, 26 de setembro de 2013)
Nenhum comentário:
Postar um comentário