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.- A ÁRVORE QUE O SÁBIO VÊ, NÃO É A MESMA ÁRVORE QUE O TOLO VÊ! William Blake, londrino, 1800.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O crime da água insignificante - Autor: Claudio de Mora Castro Veja - 16/09/2013

Como meu amigo cometeu o crime da água insignificante, teve sua fazenda autuada por crime ambiental e abriu-se um processo. A falta foi não declarar ao Estado a bica de água, construída pelo avô, na década de 30, para abastecer a sede da fazenda. A fonte da água foi zelosamente preservada por duas gerações. A mata ciliar envolvendo a nascente tem o dobro ou o quádruplo do raio de proteção proposto pela legislação ambiental. Acima dela, plantaram mais 5 hectares de madeira de lei, como área de proteção adicional. Por ser tão pequena a vazão, a lei classifica essa bica como "uso insignificante de água". A surpresa é que uso insignificante de água é crime. Não exatamente usar, mas não informar ao Estado que o gasto dessa água é insignificante. Assim sendo, as bicas de água ainda não registradas perante o Estado brasileiro tornaram-se ilegais, os donos passíveis de ser autuados. Com um canetaço, todas as captações de água, dos milhões de propriedades agrícolas, tomaram-se ilegais e passíveis de ser punidas pela força dessa lei tão obtusa. Galopa feliz, pelas matas de Pindorama, a mula burocrática sem cabeça. Pensemos bem: o que faria um fazendeiro cumpridor para ficar sabendo que agora é preciso fazer vênias ao Estado para uso insignificante de água? Será preciso ouvir a Hora do Brasil todos os dias? Subitamente, a pequena obra de engenharia do avô se tornou clandestina, requerendo papeladas legais, para ser tolerada pelo leviatã estatal. A única área degradada da fazenda é uma erosão provocada pela rodovia federal que a atravessa. Como a responsabilidade é do Estado, a fiscalização nada fez. A fazenda é um exemplo de uso criterioso da terra. Há 27 anos, começou o plantio de árvores. Hoje, a taxa de ocupação produtiva fica acima de 98%. É cada vez maior a cobertura por essências nativas. Dos 320 hectares, 32% são reservas, 29% eucaliptais, 16% cafezais e cerca de 15% matas plantadas, combinando madeiras nobres com cafezais sombreados. São mais de 100.000 essências plantadas e 200.000 eucaliptos. É um modelo de sustentabilidade, com áreas florestais muito acima do exigido na lei. Pela lógica, o fazendeiro deveria ser homenageado. Em vez disso, a fazenda ganhou autuação por crime ambiental, sendo aberto o processo. Trata-se de crime sem danos, a ninguém e a nada. Tampouco terá consequências para o meu amigo. Mas é paradigmático contrastar o barulho gerado por este pueril crime diante do que vemos por todos os lados. A Baía de Guanabara é uma cloaca a céu aberto, pois lá deságuam rios levando os esgotos da bacia, metade sem tratamento. A imundice do Tietê resulta da mesma falta de tratamento. E assim, no restante do país, incluindo o rio que atravessa a cuidadíssima cidade de Joinville. Passam-se os anos e pouco acontece. Em 1867, o naturalista Richard Burton chega por terra a Sabará. Segue então, por barco, subindo o Rio das Velhas e o São Francisco. Durante a II Guerra Mundial havia quem suspeitasse que os luxemburgueses da Belgo Mineira escondessem um submarino no rio. Tão descomunal foi a perda de vazão do rio que poucos habitantes hoje saberão já haver sido navegável. Essa retração de água não é "insignificante". Culpados? Ao que tudo indica, os enormes desmatamentos. E por que a lei não faz essas matas voltarem? Às vezes, parece que algumas pessoas, as autoridades e as leis não se movem pelo desejo de preservar águas (ou o que seja), mas por burrice, raivas atávicas, vingança, vaidade ou gostinho de exibir poder — diante de quem não tem forças para resistir. Em outros casos, talvez seja aquilo que Hannah Arendt não culpou apenas nos nazistas, mas no alemão comum: uma obediência mecânica diante de uma lei ruim. Os médicos sabem. A dor não é nada? Vivas! Vá para casa. Doença pequena? Aspirina, se tanto. Doença grande? CTI. Não deveria ser também assim nos assuntos de meio ambiente? Mas parece que se receita aspirina para os pacientes necessitados de CTI (Baía de Guanabara) e transplante de pâncreas para a água insignificante. 


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