Cliquem aqui, http://radiovitrolaonline.com.br/, acionem a Rádio Vitrola, minimizem e naveguem suavemente sem comerciais.

.- A ÁRVORE QUE O SÁBIO VÊ, NÃO É A MESMA ÁRVORE QUE O TOLO VÊ! William Blake, londrino, 1800.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Alegrias com aves na aproximação da primavera

Após trinta anos de observação de aves no Paraná, encontrar aqui no litoral uma espécie que nunca viu antes tem se tornado um acontecimento bastante raro. Quando acontece, tende a ser um registro que vale a pena a ser divulgado, além de me deixar em estado de jubilo.
Nas minhas visitas à cidade de Guaraqueçaba nunca deixo de ir ao trapiche da marina, pois no seu corrimão costumam pousar até três espécies de trinta-réis e com alguma sorte pode se ver dali também o savacu-de-coroa (Nyctanassa violacea), vulgo Tiazinha. Há três dias (6 de setembro), quando às 16 horas estava chegando naquele local, escutei um barulho tão ruim que só podia vir de gente da pior espécie. No entanto, quando vi o local exato donde surgiu, uma mancha de capim-praturá (Spartina sp.) ao lado esquerdo do trapiche, conclui que então tinha de ser um gnomo. Que engano! Bem a minha frente estava uma saracura nunca vista antes! Estava tão perto (a uns quinze metros) que sem binóculo consegui ver todos os seus detalhes. Tinha tamanho do socozinho (Butorides striata) e o bico longo era avermelhado de ponto escuro. Os flancos eram barrados de branco em fundo marrom-escuro e o traseiro era tão branco e conspícuo quanto no frango-d’água-comum. Continuei olhando, para memorizar todos os detalhes, pois imaginava que a miragem se dissipasse logo em seguida para nunca mais retornar. Todavia, mesmo quando baixei a minha mochila para tirar dela o meu fiel e infalível consultor Deodato (Souza 2002), a ave permaneceu exatamente onde estava. Deodato, que já viu tudo que voa neste país, pouco se emocionou e me informou que se tratava da saracura-matraca (Rallus longirostris), espécie que ocorre ao longo da costa brasileira até o limite sul dos manguezais, o seu hábitat exclusivo.
Naquele momento a ave novamente emitiu aquele som escandaloso, para logo em seguido sair em disparato pelo capim, correndo atrás de um segundo exemplar cuja presença não tinha percebido até então.
Vocês podem imaginar a minha louca alegria! E como acontece quando estamos alegres, procuramos alguém com quem compartilhar. Olhei a minha volta em busca de gente, gatos ou cachorros para agradar. Então percebi que do terraço da lanchonete ao lado três jovens estavam me observando com visível surpresa. Foi até eles e perguntei se tinham percebido ou escutado algo de estranho acontecendo lá no capim. Eles disseram que não e um deles se levantou, separando-se temporariamente da sua cerveja, para andar os dois passos até a margem oposta da rua para ver. Felizmente, as saracuras ainda estavam ali, inclusive continuavam naquela corrida. O rapaz contou que é pescador (“inclusive aquela canoa ali é minha”) e que já conhecia aquela saracura dos seus passeios diários pelos manguezais. Ele me informou que a espécie é bastante arisca e que nunca a havia visto antes naquele local. Na suposição dele se tratava de um casal, em que o macho estava tão excitado e focalizado na perseguição da fêmea que por um instante se esqueceu da sua natureza desconfiada.
Então tinha de me despedir do pescador e das saracuras, para não perder o ônibus das cinco horas. Duas horas depois, ao chegar em casa, corri para os meus livros, para verificar o que diziam a respeito da presença desta espécie no Paraná. No “Livro Vermelho”, Straube et al. (2004) informaram ter conhecimento de apenas dois registros confiáveis para o Paraná: um do município de Paranaguá e outro do município de Matinhos, num local dentro da APA de Guaratuba. A espécie também é mencionada no plano de manejo da Estação Ecológica de Guaraguaçú, também situada no município de Matinhos.
Hoje fiz uma busca no Internet e encontrei registros paranaenses adicionais de duas localidades, todos os registros com fotos e nomes dos observadores na Wikiaves:
- em Antonina: 26 de abril de 2013, um exemplar observado por três pessoas;
- em Guaratuba: 8 de setembro de 2007, 15 de abril de 2009, 17 de julho de 2010, 5 de junho de 2011 e 17 de dezembro de 2012, exemplares observados por seis pessoas diferentes.
Assim, ao que parece o registro do trapiche é o primeiro para a espécie em todo vasto território do município de Guaraqueçaba. Considerando a grande quantidade de manguezais naquela região e a sua boa preservação, a saracura-matraca talvez não esteja tão rara ali quanto essa ausência de registros sugere. Seria uma tarefa interessante alguém fazer um levantamento da espécie, percorrendo toda região, para nesse silencio paradisíaco poder escutar essa voz infernal de longe.
Deixe-me passar algumas informações seletas sobre a espécie tiradas da obra de Perrins (1990). A saracura-matraca é ameaçada pela perda de hábitat (destruição dos manguezais) e também pela caça. Já que nidifica entre a grama da beira-mar pode acontecer que perde todos os ovos durante uma maré de sizígia. Mas os filhotes, quando já nascidos, conseguem se salvar, pois são excelentes nadadores. A espécie come principalmente caranguejos e outros crustáceos, suplementado com sementes e tubérculos. Tem o interessante costume de responder aos trovoados da tempestade com um coral de chamados vocais. Será que isto pode ser chamada de chamado?
Tenho mais alguma coisa para contar. Ontem (8 de setembro) caminhei o trecho do km 50 a km 66 da rodovia não asfaltada para Guaraqueçaba (PR-405). Havia sol e um ventinho soprava: tempo delicioso. Nos primeiros dez quilômetros da caminhada pouco aconteceu, mas depois ficou bem interessante. No km 62 havia um grande número de aves circulando em corrente de ar ascendente: urubus-de-cabeça-preta, alguns dezenas de andorinhões-de-sobre-cinzento (Chaetura cinereiventris) e quatro gaviões-tesoura (Elanoides forficatus). Entre os gaviões parecia estar um casal, pois havia vocalizações fortes, perseguições acrobáticas e lindos voos sincrônicos. Tratou-se da minha primeira observação do gavião-tesoura na nova estação.
No trecho entre km 64 e km 65 a minha caminhada foi alegrada pelo canto de quatro sabiás-una (Turdus flavipes), os indivíduos separados por distancias de uns 150 metros e aparentemente cada um tentando superar o outro em virtuosidade. Além deste pedestre, todos os outros ouvintes naquela floresta devem ter curtido a jam session impressionante.
No km 65,7, onde a rodovia cruza com o rio Guaraqueçaba, estavam na copa de uma árvore duas fêmeas e um macho do saí-andorinha (Tersina viridis), também se tratando da minha primeira observação na nova estação. Mas o momento mais espetacular do meu passeio ainda estava por vir.
No km 65,8, cem metros antes do começo da estrada lateral para Batuva, vi um passarinho com muito branco, pousado no topo de uma árvore isolada na pastagem. Puxei o binóculo e a minha coração bateu forte, pois nunca antes tinha visto uma noivinha (Xolmis) no litoral Além disso, esta espécie me parecia um pouco diferente daqueles que já conheço do primeiro planalto. Foi possível admirar a ave demoradamente e consultar Deodato. Aproximei-me um pouco mais, na esperança da ave levantar voo para me mostrar o padrão de cores da asa aberta. Quando isto finalmente aconteceu, com a ave voando para outra árvore isolada na pastagem, já era 17h15min e dez minutos depois passou o meu ônibus. Ao chegar em casa consultei os meus outros livros e também as excelentes fotografias no DVD de Minns et al. (2009). Não havia mais dúvida: tratou-se da noivinha-branca (X. velatus), que no Paraná era originalmente apenas conhecido dos campos cerrados no nordeste (Scherer-Neto & Straube 1995), mas que hoje é bem conhecido tanto do Segundo quanto do Terceiro planalto paranaense (há numerosos registros na Wikiaves). Mas na Wikiaves há apenas um registro da espécie para o Primeiro planalto (7 de fevereiro de 2012, em Balsa Nova) e nenhum para a Serra do Mar, nem para o litoral paranaense. Tratando-se de uma espécie migratória (Sick 1985), é provável que o exemplar que vi ontem estava de passagem.
Todas essas observações mostram que este período do ano é sensacional para a observação de aves. Levantam a sua bunda e peguem a estrada, pois cada dia pode trazer alguma surpresa do tipo relatado aqui.
André August Remi de Meijer

André, mais uma vez obrigado por compartilhar conosco de seu precioso relato. Grande abraço.

Nenhum comentário:

Postar um comentário