Caros
amigos,
Na carta
em anexo vocês podem ler o que descobri a respeito de Clitória, a minha nova
vizinha!
Um grande
abraço,
André
Junto a casa onde estou
temporariamente morando, no km 20,6 da rodovia PR-340 (trecho Antonina – Bairro
Alto), ocorre um majestoso exemplar de Clitoria
fairchildiana, neste momento em plena florada. A combinação de flores com
pétalas internamente púrpuras e externamente violeta-pálidas, com as folhas
compostas de três folíolos, coriáceos e glabros, faz desta árvore uma planta inconfundível.
A espécie, procedente do Nordeste brasileiro (JBR 2010), é bastante ornamental
e por esta razão tem sido plantada ao longo da PR-340, nos trechos de km 22,5 a
23 e de km 24,5 a 25, principalmente. Destes dois trechos, o último se situa
entre o portão de entrada da Usina Parigot de Souza e a ponte sobre o rio
Capivari (canal de fuga da referida usina) e beira a divisa da área desta
usina. Ali são encontrados os maiores exemplares desta árvore, com a medida do DAP(a) alcançando 160 cm(b) e, por este motivo, creio que foi neste local que
o plantio desta espécie na região começou. Esse primeiro plantio deve datar dos
anos setenta do século passado, quando se iniciou o trabalho de paisagismo da
área da usina.(c) O exemplar junto a minha moradia tem
DAP de 145 cm e imagino que ela foi plantada na mesma época. Os exemplares da espécie
encontrados no trecho entre km 22,5 e 23 da PR-340 devem ter sido plantados
posteriormente, pois tem DAP bem menor.
No km 22,5 da PR-340 existe um
trecho onde a espécie foi plantada em ambos os lados e hoje suas copas ali se
encontram acima da estrada, formando um túnel verde.
Na arborização da cidade de Antonina,
a espécie não tem sido usada. Apenas recentemente, um exemplar foi plantado ali
(está com DAP de 25 cm), na entrada à formação rochosa da Ponta da Pita.
Ao que parece, a espécie consegue se
multiplicar espontaneamente através de sementes, no entanto, sem se distanciar
da árvore mãe, pois no perímetro do exemplar adulto da minha casa, a uma
distância de 12 m do tronco, surgiram duas plantas jovens, hoje com DAP de 1,5 cm
e 2,5 cm.
É interessante notar que, até hoje,
os moradores do povoado vizinho de Cachoeira de Cima, em km 23,5 da PR-340,
desconhecem a procedência desta árvore e também não sabem o seu nome. Lorenzi
2008 lista para a espécie os seguintes nomes vulgares: sombreiro, palheteira,
sobreiro e sombra-de-vaca. Sugiro que no litoral do Paraná se adota o nome palheteira,
pois o nome “sombreiro” é amplamente usado aqui para a exótica Terminalia catappa, muito plantada na
região.
Considero mais interessante ainda, o
fato de que em Cachoeira de Cima ter se generalizado a crença em que flores de Clitoria fairchildiana, daqui em diante chamado de palheteira, contêm um
néctar tóxico, “que mata até mamangabas e deixe os beija-flores tontos”. Pessoalmente
nunca vi um beija-flor visitar as flores desta árvore, nem Mendonça
& dos Anjos 2003 e nem Ruschi 1949 relatam a espécie como sendo visitada por beija-flores.
Neste mês de janeiro as palheteiras
floridas são intensivamente visitadas por mamangabas, cujo zumbido pode ser
escutado à distância. Mas nunca vi uma mamangaba debilitada, ou até morta,
junto a essa árvore. Citra et al.
2005 não incluíram essa árvore na sua lista de plantas tóxicas para abelhas.
Agostini & Sazima 2003 relataram que as flores dessa árvore, no campus da
Universidade Estadual de Campinas, são visitadas por cinco espécies de abelhas,
que coletam tanto o pólen quanto o néctar. São Apis mellifera (abelha-europa), Tetragonisca
angustula (jataí), Trigona spinipes
(irapuã) e duas espécies de mamangaba: Bombus
morio e Eulaema nigrita. Nem esses
autores constataram algum dano causado pelas flores nessas abelhas.
No interior das flores da Palheteira,
encontrei tripes (Thysanoptera),(d) minúsculos (corpo 1,6-2,0 mm de
compr.), em abundância e bastante ativos. Pensei: “Este néctar não é tóxico”.
Depois li numa obra de referência que estes insetos não se alimentem de néctar.(e)
Nas minhas frequentes caminhadas
pela PR-340, ao passar por baixo dos exemplares floridas desta árvore,
principalmente no trecho onde as copas formam o túnel citado (km 22,5), sempre
procurei insetos ou outros animais alados mortos, mas nunca os encontrei.
Assim, não consegui compreender de onde veio a estranha suposição dos moradores
de Cachoeira de Cima.
Mas acabei encontrando a resposta, o
que me motivou a escrever esta carta.
Em Cachoeira de Cima tenho
conversado com muitas pessoas, incluindo horticultores, cidadãos comuns e
professoras da escola rural municipal, todos eles afirmando que as flores desta
árvore matam insetos. Uma das professoras inclusive afirmou que ela tinha visto
isso acontecer pessoalmente, no pátio da sua escola, onde existe um exemplar bem
grande da espécie. Então fiz uma visita à escola, para fazer uma busca de
insetos mortos. A escola fica num lindo lugar, ao lado do Posto de Saúde, a 1
km da PR-340, nos confins do povoado. O que descobri naquele pátio foi bastante
esclarecedor! A cinco metros do tronco da palheteira há um outro tronco,
pertencente a um exemplar grande da tulipeira-africana (Spathodea nilotica, também citada como S. campanulata), as duas árvores se mesclando nas copas. No momento
da minha visita, o chão abaixo delas estava coberto das grandes flores
vermelhas caídas da tulipeira-africana. Então tudo ficou claro para mim.
É um fato conhecido que o néctar da
tulipeira-africana, também chamado da espatódea, mata insetos, a saber,
formigas, abelhas (principalmente meliponíneos) e dípteros (Cintra et al. 2005).
Assim, a crença da Cachoeira de Cima
deve ter se originada ali, na escola rural.
No litoral norte do Paraná, a
tulipeira-africana floresce de dezembro a junho e é visitada por quatro
espécies de beija-flores, que não parecem ficar afetadas pelo néctar desta
árvore. Nunca vi um beija-flor ‘cair tonto’!
Em húmus abaixo da palheteira grande
ao lado da minha casa, encontrei um círculo-de-fadas, de 1,5 m de diâmetro, de
um cogumelo maduro que se assemelhava bastante ao “champignon-comestível” (Agaricus sp.) e tinha tamanho bastante convidativo
para o prato: o chapéu alcançou 9 cm de diâmetro e o pé tinha 1,5 cm de
espessura na base. No entanto, as lamelas estavam pálidas; não tinham se
tornado marrom-chocolate como acontece em Agaricus.
O exame microscópico revelou que se tratava de uma espécie de “falso-champignon”
(Leucoagaricus) nunca encontrado
antes no Paraná! A espécie é muito próxima, ou idêntica, a L. bresadolae, da Europa, do qual não sabemos ser comestível ou não.
Dos gêneros Leucoagaricus e Leucocoprinus, muito aparentados, são mundialmente
conhecidas dez espécies comestíveis (Boa 2004), mas também algumas espécies
venenosas (Singer 1986, Walleyn & Rammeloo 1994). Assim, neste grupo é melhor não
se ariscar.
(a) DAP
= diâmetro a altura do peito (diâmetro à altura de 1,3 m do solo).
(b) Em Clitoria fairchildiana o tronco adulto é tipicamente um
aglomerado de vários troncos e, assim, o DAP é uma soma destes.
(c) No trecho de km 24,5 a 25, Clitoria fairchildiana foi plantada
somente ao lado esquerda da estrada (o lado que beira a área da usina). No
mesmo trecho, mas ao outro lado da estrada, foi plantada uma espécie de ipê (Tabebuia sensu lato), hoje com DAP ≤ 70
cm e em ambos os lados da estrada foi plantada a palmeira-rabo-de-peixe (Caryota mitis), hoje com DAP ≤ 45 cm. A
última espécie é originária da Índia e da Malásia (Lorenzi et al. 2010).
(d) Para os nomes populares de insetos
foi seguido a obra de Buzzi (2009) nesta carta.
(e) ”Cerca a metade das espécies [de Thysanoptera] é exclusivamente
fungívora, enquanto a outra metade é fitófaga; algumas espécies são predadores
e duas são ectoparasitas.” Os fitófagos se alimentam “do conteúdo celular de
tecidos não-lenhosos, ou do conteúdo de grãos de pólen.” (Rafael et al. 2012).
REFERÊNCIAS
Agostini, K. & M. Sazima. 2003.
Plantas ornamentais e seus recursos para abelhas no campus da Universidade
Estadual de Campinas, Estado de São Paulo, Brasil. Bragantia 62: 335-343.
Boa, E. 2004. Wild
edible fungi - A global overview of their use and importance to people.
(In: FAO Technical Papers - Non-wood Forest Products, No. 17). Food and
Agriculture Organization of the United Nations, Rome. 147 pp.
Buzzi,
Z.J. 2009. Nomes populares de insetos e
ácaros do Brasil. Editora UFPR, Curitiba. 629 pp.
Cintra,
P., O. Malaspina & O.C. Bueno. 2005. Plantas tóxicas para abelhas. Arq. Inst. Biol. (São Paulo) 72:
547-551.
JBR
(Jardim Botânico do Rio de Janeiro). 2010. Catálogo
de plantas e fungos do Brasil. Andrea Jakobsson Estúdio : Instituto de
Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 1699 pp. (2 Vol.).
Lorenzi,
H. 2008. Árvores brasileiras. Manual de
identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Vol. 1, Ed. 5. Edit. Plantarum, Nova
Odessa. 370 pp.
Lorenzi,
H., L.R. Noblick, F. Kahn & E. Ferreira. 2010. Flora brasileira Lorenzi: Arecaceae (palmeiras). Edit. Plantarum, Nova Odessa. 368 pp.
Mendonça,
L.B. & L. dos Anjos. 2003. Bird-flower interactions in Brazil: a review. Ararajuba
11: 195-205.
Ruschi,
A. 1949. A polinização realizada pelos trochilideos, a sua área de alimentação
e o repovoamento. Bol. Museu Biol. Prof.
Mello-Leitão, ser. Biol. 2: 1-19.
Singer,
R. 1986. The Agaricales in
modern taxonomy, Ed. 4. Koeltz Scientific Books, Koenigstein. 981 pp.
Walleyn, R. & J. Rammeloo. 1994.
The poisonous and useful fungi of Africa south of the Sahara. Scripta Bot. Belg. 10:
1-56.
(André de Meijer, 17 de janeiro de 2013)
Oi André, faz um tempo que eu procurava alguma informação sobre a toxicidade de Clitoria fairchildiana, o sombreiro. Também nunca encontrei essa informação em nenhum trabalho publicado.
ResponderExcluirEmbora você tenha encontrado alguma relação com a espatódea, aqui em Cotia, SP, faz anos que observo abelhas mortas( Bombus morio) sob a copa do sombreiro, e não há outra árvore próxima.
São muitas abelhas mortas diariamente enquanto a Clitoria está florida.
Por favor, se tiver outra informação gostaria de saber. Um abraço,
Paola (pmarchi2004@yahoo.com.br)