Anivaldo Miranda
A batalha que está sendo travada em torno da votação da nova
versão do Código Florestal Brasileiro não é, como grande parte da mídia temapresentado, uma simples pendenga entre ruralistas que supostamente querem
produzir e ambienta
listas que querem fanaticamente preservar. Acreditar nisso
seria legitimar aqueles que, apressados por conta de interesses que não emergem
à superfície da polêmica, pretendem travestir-se em conciliadores para, em
verdade, promover mudanças na
legislação ambiental que remetem o Brasil a um
passado do qual nós deveríamos nos afastar.
Para muito além das razões de ordem ambiental, essa é uma
batalha entre modelos de desenvolvimento, entre um século que se foi e o novoque se inicia, entre atraso e modernidade, entre a agricultura e pecuária
extensivas, fartamente subsidiadas, em boa escala de baixa produtividade,
predatórias em termos de recursos hídricos, altamente impactantes no que se
refere ao uso do solo e a proposta de uma nova agricultura moderna, intensiva,
sustentável, democrática em termos de distribuição de terras, água, tecnologia,
cooperação e ganhos.
Há no Brasil milhões de hectares de terras que foram
criminosamente degradadas, abandonadas ou mal aproveitadas e que tranquilamente
resolveriam qualquer impasse em termos de espaço para produzir. E há milhões e
milhões de hectares produtivos cujo desempenho poderá ser infinitamente
potencializado, desde que se invista em conhecimento e tecnologia e que sejam
assegurados os ecossistemas que prestam serviços ambientais fundamentais para o
próprio desempenho sustentável da produção agrícola.
Quando ambientalistas, cientistas, técn
icos, movimentos sociais
e até determinados setores produtivos defendem a essência do atual Código
Florestal, fazem-no não apenas movidos por razões estritamente ecológicas, de
equilíbrio ambiental. Como uma coisa é consequência da outra, fazem-no sim,
porque além de tudo isso, as disposições do Código atual são importantes,
decisivas para manter condições naturais bem mais favoráveis à própria atividade
agrícola.
Preservar encostas e topos de morros florestados, vegetação
ciliar ao longo dos rios e demais corpos hídricos, assegurar a reserva legal de
cada propriedade e proteger grandes biomas como a Floresta Amazônica, o Cerrado,
a Mata Atlântica, o Pantanal e a Caatin
ga, não é bom apenas para a
biodiversidade e a paisagem. É muito mais do que isso. É essencial para manter
um regime de chuvas mais favorável, garantir maior regularidade na oferta
hídrica, proteger solos agricultáveis, evitar erosão e desertificação, preservar
a integridade de processos naturais como a polinização, diminuir a incidência de
pragas e promover uma infinidade d
e outros serviços ambientais. Se a grande maioria dos produtores agrícolas deixarem de agir
pensando apenas em seu próprio umbigo e se derem conta do enorme ganho coletivo
que poderão ter abraçando os novos conceitos da economia avançada e sustentável,
tecnologicamente sofisticada e altamente agregada de valores, a vontade e
determinação de detonar o Código Florestal se resumirá à minoria que, de fato,
tem a ganhar hoje com essa cruzada reacionária e gananciosa dos que ganham
derrubando florestas e se apossando de terras públicas para fazer a festa de
madeireiras piratas, das multinacionais da carne exportada, da celulose e dos
que querem manter o Brasil eternamente exportador de commodities baratas,
perdendo, assim, a oportunidade h
istórica de se transformar na maior potência
verde do planeta e do futuro que já começou.
Entramos já numa época de fenômenos climáticos extremos, onde
secas se alternarão cada vez mais com enchentes e outros eventos dramáticos. Daí
que preservar as conquistas do Código Florestal seja não apenas do interesse do
mundo rural. Sem matas ciliares preservadas e encostas e topos de morros
protegidos, o rosário de destruição de c
idades e vilarejos continuará se
expandindo, ainda que medidas corajosas para o melhor uso e ocupação do solo
urbano venham a ser adotadas.
O Código Florestal não é um livro sagrado como a Bíblia ou o
Alcorão. Pode e deve ser melhorado. Mas nunca mutilado com as pegadinhas que o
deputado Aldo Rebelo em má hora se dispôs a colocar em seu substitutivo para
servir a visões geopolíticas e agrícolas ultrapassadas. A rigor o debate do
Código mereceria muito mais tempo e mais seriedade em sua condução. Os que
pressionam, no Congresso Nacional, pela rápida votação em plenário do monstrengo
que produziram em nome de uma falsa demanda do setor produtivo agrícola, sabem
que o tempo trabalha em desfavor de sua campanha raivosa contra os avanços e
conquistas da legislação ambiental brasileira. Daí a urgência e importância,
para a opinião pública, que as coisas sejam melhor esclarecidas para evitar um
retrocesso que irá afetar os interesses mais estratégicos do Brasil.
Obrigado Gabriel Bertran
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