Como há dois mil anos
José
vem à cidade grande para o parto de Maria e para vida nova. Mestre de obras? Sonhou! Bastaria
seu ofício - carpinteiro -, pois o importante é o trabalho, tão escasso nesses
tempos. Sós na metrópole, foi difícil conseguir informações, pois as pessoas,
indiferentes e apressadas, estavam para pouca prosa. Apenas uma orientou o
endereço do parente na vila distante. Entre erros e acertos, chegou até o ponto
de ônibus, depois outros e mais uma longa caminhada. Penosa pelo avançado
estado da gravidez.
Enfim
chegaram. Casa pobre, de muitas crianças e pouco espaço, a mesma situação nos
vizinhos amigos, mas conseguiram pequeno quarto de fundos. Poucas horas mais
tarde, Maria despertou com dores. Apesar do cansaço, sua beleza contrastava com
aquele rude local. José aproximou-se, abraçou-a e com um beijo no seu ventre
disse: "aqui está o nosso rei. Confie!"
Iniciaram
o caminho de volta, interrompido a cada nova dor. Finalmente o
hospital-maternidade indicado, mas, na recepção, a placa indicativa de
"não temos vaga". Receberam novo endereço, mas a mulher também não
fora admitida porque não fizera o pré-natal e não havia vagas no berçário. Ao
passar defronte a terceira maternidade, José tentou novamente, mas não atendiam
pelo SUS.
As
dores eram mais freqüentes. Então, na quinta maternidade, um alívio: após
entrevista e triagem, conseguiu guia de atendimento, mesmo com dificuldade,
pois não tinha referência, código de transação e residia fora do município. A
espera era interminável, as contrações mais intensas, mas ainda havia
disposição de confortar - naquele corredor de ansiedades, angústias e histórias
tristes - as outras grávidas e dar esperança e fé.
Em
seguida uma chamada: "Maria, filha de Ana!". Com dificuldade levantou-se,
pés inchados. Assim que iniciou seus passos, mais ordens ríspidas:
"Rápido, é pra hoje!" Ao entrar na sala de exame, parou para suportar
outra forte contração e um comentário infeliz: "Deixa de fricotes! Está
muito manhosa". Perguntas rápidas e apenas as necessárias, demonstrando
uma atitude essencialmente profissional, desprovida de qualquer afeto.
Ao
exame do ventre da paciente, o médico foi tomado por uma forte emoção e um
sentimento diferente, estranho mesmo. Pensou em partilhar aquela sensação, mas
reprimiu. Novamente volta o perfil frio e técnico, sem qualquer preocupação com
as condições e o local da moradia, falou: "Não está na hora. Não é para
hoje. Vá para casa". E não deu qualquer chance de perguntas.
Maria
levantou-se sem ajuda, amparo ou apoio para descer da mesa. Encontra o aflito
José e, resignados, retomam. Parece um caminho novo. É noite, muitos enfeites
natalinos, neon, muitas luzes nas árvores e residências. Um espetáculo
maravilhoso. Brilho intenso que vai diminuindo à medida que se aproximam do
bairro. Depois, uma lâmpada fraca iluminando aquele abafado e pequeno quarto.
As dores são mais fortes e freqüentes; suor, muito calor que aumentou ao sentir
um líquido quente entre as suas vestes e pernas.
Maria
lembrou sua prima e imaginou: é chegada a hora. José sai em busca de ajuda.
Encontra a agente de saúde que, em seguida, avisou a médica de família daquela
comunidade. Esta, deixa a ceia natalina com os filhos e prontamente dirige-se
para o atendimento. Ao ver a paciente, identificou-se: "Eu sou Isabel, sua
médica". Maria respondeu que era o mesmo nome de sua prima e permitiu que
a médica conduzisse um diálogo fraterno, perguntando sobre sua procedência,
número de filhos, história familiar e faz outras abordagens para reassegurar a confiança,
em um momento crítico, pleno de ansiedades e medo que é o parto.
A
Dra. Isabel aprendeu que palavras de cortesia e a postura médica são medidas
terapêuticas que promovem tranqüilidade e fortalecem a relação médico-paciente.
Ao tentar utilizar dessa estratégia e levar essa energia, em sentido contrário,
recebia de Maria reflexos de luz de um forte brilho, como se seus raios
penetrassem pela primeira vez em uma gruta escura. Essa era a luminosidade
daquele quarto. Deu-se o nascimento da criança, semelhante a uma fonte de água,
que brota natural, cristalina, forte, que dá vida e onde todos devemos beber.
A
Dra. Isabel, ao segurar o pequeno ser, sentiu-se maravilhada e confusa.
Maravilhada pela sensação de paz, de esperança e amor transmitida pela proximidade
daquela mãe e de seu rebento. Confusa porque o choro daquele bebê penetrava em
sua alma como um grito de alerta, um pedido de ajuda. Não para si, mas para a
humanidade, atualmente tão em desacordo com estes sentimentos. Quantas crianças
como esta morrem todos os dias pela miséria, pela violência, pela intolerância
dos que poderiam ajudar e não o fazem.
Ao
entregar o recém-nascido nos braços de sua mãe, a jovem doutora teve a certeza
de que sua vida a partir de então teria um significado maior, e sentiu-se
responsável pela semente de esperança que ora despontava em seu coração.
Prometeu a si e àquela singela família que esta semente seria cuidada e
multiplicada a todos os seus colegas, numa corrente de amor ao próximo, de
solidariedade e de respeito àqueles que sofrem a dor física e moral das
injustiças que a vida lhes impõe.
Ao
despedir-se, recebeu um agradecimento em nome de todas as Marias. José beijou
suas mãos e ofereceu duas pombas como presente, representando a paz que deve
reinar entre todos os homens de boa vontade. Ao sair, viu uma estrela guia.
Lembrou-se que era Natal e agradeceu a Deus o privilégio de ter sido a
escolhida entre as mulheres. Agradeceu também por ser médica e ser o
instrumento para o alívio da dor e do sofrimento de seus semelhantes. Pediu
para continuar exercendo a profissão dentro dos princípios éticos e
humanitários.
Que
no próximo milênio as mensagens de esperança sejam reais e que a dureza dos
últimos 2000 anos seja aliviada e a paz permaneça pela eternidade. Que todos os
médicos tenham o espírito, o compromisso e a atitude da jovem doutora para o
próximo milênio. Aos gestores, a lucidez e a criatividade para a promoção da
saúde, acabando com as injustiças e que a história de dificuldades não se
repita como ocorrida há dois mil anos.
Editorial publicado no jornal CRM-PR n.º 33,
de Dezembro de 1999, pelo conselheiro Luiz Sallim Emed, presidente da
época.
Diz o Salmo 133: "Oh quão bom e quão suave que os irmãos vivam em união. É como o óleo precioso sobre a cabeça, que desce sobre a barba, a barba de Aarão, e que desce à orla dos seus vestidos...............". Porque essa invocação? Apenas para dizer que este Blog tem o condão de trazer à atulidade, coisas e pessoas de nossa terra e que tanto bem fazem à sociedade, ainda que em plagas distantes, como é o caso do Dr. Luizinho Emed e sua ilustre esposa - Rosinha (irmã do não menos ilustre Beltran Marin Gasquez (meu ex-patrão e AMIGO)). E interessante que essas pessoas, por mais que representem, no que quer que seja, ao mesmo tempo, não perdem o sentido de irmandade de filhos de uma mesma terra da qual se orgulham de ter nela nascido. Parabens DR. LUIZ EMED, parabens ROSINHA, Parabens Sérgio Gacia. Nos orgulhamos de voces. Absalão.
ResponderExcluirGrande Dr. Luiz Sallim.
ResponderExcluirSeu irmão cunhado BELTRAN