Maurício Cavalheiro 24 min UM CASO DE AMOR NA “PARADA VOVÓ LAURINDA” (Homenagem ao centenário da Estrada de Ferro Campos do Jordão) - Cordel Nº 04 - Peço licença à senhora, peço licença ao senhor, para buscar, no passado, a história de um grande amor, que narrarei, sem delongas, sem tirar pontos, nem pôr. No bairro do Piracuama havia um homem solteiro que, para ganhar a vida, trabalhava, prazenteiro, debaixo de chuva ou sol no ofício de jardineiro. Para atender aos clientes, o transporte que ele tinha, era o bonde que passava pelos trilhos da Estradinha. Por isso, saía cedo e só voltava à noitinha. No trajeto, quando lia: “Parada Vovó Laurinda”, o seu coração cativo dizia: “seja bem-vinda” para a moça que, à janela, sorria, sempre tão linda. Porém, para ele, era pouco vê-la apenas na janela; por isso, fez um poema declarando o amor a ela. Contudo, para entregá-lo, era preciso cautela. O pai da moça era atento igualzinho a um cão de guarda: não permitia a ninguém se aproximar da mansarda, e, quando era necessário, usava a velha espingarda. Quando o bondinho passou perto da insigne morada, saltou, correu e entregou o poema à sua amada; depois fugiu, velozmente, da espingarda engatilhada. O pai da moça, furioso, ao descobrir o namoro, jurou punir o rapaz por aquele desaforo, pois na casa de donzela ninguém infringe o decoro. A cabecinha do pai viveu noites de alvoroço por pensar em como agir contra o “carne de pescoço”. Antes, perguntou à filha se ela gostava do moço. A moça, ruborizada, passando a fitar o chão, depois de um breve silêncio, disse, sem hesitação, que o jardineiro habitava há muito o seu coração. Ao saber que a filha amava o jardineiro tenaz, foi colher, nas redondezas, detalhes sobre o rapaz, e soube, que aquele moço, era do bem e da paz. Noutro dia, o jardineiro, cansado de se esgueirar, pulou do bonde, outra vez, decidido a conversar e implorar ao pai da moça que a deixasse namorar. Ouviu o som do gatilho e continuou firme e forte, pois se não pudesse tê-la como futura consorte, seria muito melhor dormir nos braços da morte. Sob a mira da espingarda o moço foi avisado: se entrasse naquela casa sairia apenas casado; se não, que nunca voltasse para não ser alvejado. O jardineiro surpreso, cheio de felicidade, entrou na casa e encontrou a sua cara metade sobre cadeira de rodas padecendo de ansiedade. Enquanto, nas mãos da moça, pousava um beijo sutil, o pai, represando o pranto, e com voz menos hostil, disse que a filha tivera paralisia infantil. Também disse que, no parto, a esposa passou tão mal por causa da hemorragia que, contundente, fatal, não deixou que o hábil médico impedisse o funeral. O jardineiro o abraçou com profundo sentimento e jurou fazer de tudo pra evitar mais sofrimento começando por marcar a data do casamento. Casaram, meses depois, em cerimônia modesta. Até hoje há quem comente sobre o violeiro da festa: era o genitor da moça que madrugou na seresta. Dias depois, num jantar, dizendo que estava farto, o pai osculou a filha e caminhou para o quarto; deu dois passos e caiu com um fulminante infarto. Foi difícil aceitar ser órfã mais uma vez. Porém, depois de dois anos, a alegria se refez: o casal ouviu o obstetra confirmar a gravidez. No oitavo mês, entretanto, a bolsa amniótica estourou. O jardineiro, sem carro, só não se desesperou, porque ao centro da cidade, o bondinho os transportou. Do centro até a Santa Casa o táxi foi com urgência Chegando lá, o doutor, gritou: “Depressa! Emergência!” correndo à sala de parto para tomar providência. O parto foi complicado, mas a moça não morreu. Depois de horas de aflição o fruto do amor nasceu: era um menino, um menino, um menino que... sou eu. Maurício Cavalheiro – 2014 Contato: mc.pindamonhangaba@gmail.com (12) 99735 0611
Maurício Cavalheiro
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UM CASO DE AMOR NA “PARADA VOVÓ LAURINDA”
(Homenagem ao centenário da Estrada de Ferro Campos do Jordão)
- Cordel Nº 04 -
Peço licença à senhora,
peço licença ao senhor,
para buscar, no passado,
a história de um grande amor,
que narrarei, sem delongas,
sem tirar pontos, nem pôr.
No bairro do Piracuama
havia um homem solteiro
que, para ganhar a vida,
trabalhava, prazenteiro,
debaixo de chuva ou sol
no ofício de jardineiro.
Para atender aos clientes,
o transporte que ele tinha,
era o bonde que passava
pelos trilhos da Estradinha.
Por isso, saía cedo
e só voltava à noitinha.
No trajeto, quando lia:
“Parada Vovó Laurinda”,
o seu coração cativo
dizia: “seja bem-vinda”
para a moça que, à janela,
sorria, sempre tão linda.
Porém, para ele, era pouco
vê-la apenas na janela;
por isso, fez um poema
declarando o amor a ela.
Contudo, para entregá-lo,
era preciso cautela.
O pai da moça era atento
igualzinho a um cão de guarda:
não permitia a ninguém
se aproximar da mansarda,
e, quando era necessário,
usava a velha espingarda.
Quando o bondinho passou
perto da insigne morada,
saltou, correu e entregou
o poema à sua amada;
depois fugiu, velozmente,
da espingarda engatilhada.
O pai da moça, furioso,
ao descobrir o namoro,
jurou punir o rapaz
por aquele desaforo,
pois na casa de donzela
ninguém infringe o decoro.
A cabecinha do pai
viveu noites de alvoroço
por pensar em como agir
contra o “carne de pescoço”.
Antes, perguntou à filha
se ela gostava do moço.
A moça, ruborizada,
passando a fitar o chão,
depois de um breve silêncio,
disse, sem hesitação,
que o jardineiro habitava
há muito o seu coração.
Ao saber que a filha amava
o jardineiro tenaz,
foi colher, nas redondezas,
detalhes sobre o rapaz,
e soube, que aquele moço,
era do bem e da paz.
Noutro dia, o jardineiro,
cansado de se esgueirar,
pulou do bonde, outra vez,
decidido a conversar
e implorar ao pai da moça
que a deixasse namorar.
Ouviu o som do gatilho
e continuou firme e forte,
pois se não pudesse tê-la
como futura consorte,
seria muito melhor
dormir nos braços da morte.
Sob a mira da espingarda
o moço foi avisado:
se entrasse naquela casa
sairia apenas casado;
se não, que nunca voltasse
para não ser alvejado.
O jardineiro surpreso,
cheio de felicidade,
entrou na casa e encontrou
a sua cara metade
sobre cadeira de rodas
padecendo de ansiedade.
Enquanto, nas mãos da moça,
pousava um beijo sutil,
o pai, represando o pranto,
e com voz menos hostil,
disse que a filha tivera
paralisia infantil.
Também disse que, no parto,
a esposa passou tão mal
por causa da hemorragia
que, contundente, fatal,
não deixou que o hábil médico
impedisse o funeral.
O jardineiro o abraçou
com profundo sentimento
e jurou fazer de tudo
pra evitar mais sofrimento
começando por marcar
a data do casamento.
Casaram, meses depois,
em cerimônia modesta.
Até hoje há quem comente
sobre o violeiro da festa:
era o genitor da moça
que madrugou na seresta.
Dias depois, num jantar,
dizendo que estava farto,
o pai osculou a filha
e caminhou para o quarto;
deu dois passos e caiu
com um fulminante infarto.
Foi difícil aceitar
ser órfã mais uma vez.
Porém, depois de dois anos,
a alegria se refez:
o casal ouviu o obstetra
confirmar a gravidez.
No oitavo mês, entretanto,
a bolsa amniótica estourou.
O jardineiro, sem carro,
só não se desesperou,
porque ao centro da cidade,
o bondinho os transportou.
Do centro até a Santa Casa
o táxi foi com urgência
Chegando lá, o doutor,
gritou: “Depressa! Emergência!”
correndo à sala de parto
para tomar providência.
O parto foi complicado,
mas a moça não morreu.
Depois de horas de aflição
o fruto do amor nasceu:
era um menino, um menino,
um menino que... sou eu.
Maurício Cavalheiro – 2014
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