Neura
_Acho que não estou entendo aonde você quer chegar...
_ Lugar nenhum, oras.
_Como assim, lugar nenhum? Lugar nenhum e me diz que esta calça está apertada em mim?! Vamos lá, seja homem, abra o jogo.
_ Que jogo, Titina?
_ Titina, não. Teresa Cristina. Não sei de onde você tirou esse negócio de Titina, detesto que me chame de Titina, tem cara de enganação, mentira, falsidade. Eu me lembro de quando você deu uma bola forte para a Viviane, aquela loira de oxigenada e sem-vergonha, aí saiu com essa coisa de Titina isso, Titina aquilo, imagine, Titina, que Titina, cara, eu heim...
_ Mas eu sempre chamei você assim, querida.
_Quem é querida aqui, a Titina, a Teresa Cristina ou a mulher que não está cabendo nestas calças jeans que me custaram os olhos da cara, os olhos da cara, sabe o que é isso, cristão?! Calça de grife, metade do meu salário, fique você sabendo.
_ Teresa, deixe de besteira e ande logo, não quis ofender você, sei lá, falei por falar, nem tinha reparado direito, francamente e...
_ Ah, não repara e faz comentários desagradáveis, então é cacoete. Você tem o cacoete de me aborrecer. Nem viu e já vai botando defeito, me derrubando, ai de mim que me casei com um sujeito insensível, bem que meu pai me avisou, olhe, Teresa, esse Gualber não chega aos seus pés, você merece coisa melhor, dê uma chance ao Edu
– e o Edu era lindo, atleta e rico, rico!
- mas eu, burra, apaixonada feito bocó, me derreti por essa sua cara de safado, ai de mim...
_ Não quis aborrecer você, Teresa, deixa disso, vai, você é linda, meu amor.
_ Teresa Cristina.
_ Sim, Teresa Cristina.
_ Ah, agora é o deboche rasgado: Teresa Cristina, Teresa Cristina... Ainda mato minha mãe por conta desse nome duplo, saco do inferno.
_ Ande, estamos atrasados.
_ Não ando. As calças não me cabem, você não falou? Então, não tenho roupa nova para ir à festinha do seu escritório, onde vou encontrar aquela mulherada desfrutável que fica lá dando bola, campo, rede, etc. para qualquer homem que passe perto delas, com aquelas saias justíssimas, a bunda rebolante, eu sei, viu, eu sei, não nasci ontem, você me paga.
_ Mas Titina...
_ Schsss, calado! Acha que não sei que você é mais um ordinário ali naquele escritório de Sodoma e Gomorra, naquela bacanal? Seu Jece Valadão de araque, acaso me julga burra, além de gorda? _ Eu não disse que você é gorda!
_ Ah, não! “A calça não está cabendo em você”, não foi esta a sua observação, ca-va-lhei-ro, não foi? Isso quer dizer que eu estou gorda, um bucho, um canhão, o mapa do inferno.
_Teresa, por favor, fiz o comentário porque você estava reclamando que o zíper não fechava e me chamou para fazê-lo subir, acho que foi uma reação instantânea.
_ Reação, não: constatação. Ou seja, “a calça não serve, o zíper não fecha, ela está gorda”.
_ Eu não disse isso!
_ Disse, sim, eu não sou surda. Ah, outro dia você reparou que minha bunda tinha caído, canalha. Gorda, burra, surda, de bunda caída, muito prazer, Teresa Cristina.
_ Nem prestei atenção na sua bunda, Teresa, por favor...
_ Como é que é?! Não prestou atenção? Ah, você esquadrinha tudo quanto é bunda por aí, seu olho fica saltando na órbita, a baba escorre, que nojo, mas a minha, ah, a minha você não vê, safado, cretino, deve achar que a bunda caída é que está me fazendo não caber nas calças, ai, eu me mato!
_ Titina, não exagere, você nunca teve bunda, amorzinho, e nem por isso...
_ É hoje...!
_ Quer saber? Você está arrumando pretexto para não ir à festa, é isso que você quer, não ir e me deixar em má situação com a chefia, logo agora que estou para ser promovido. Pois muito bem, a gente não vai e a promoção que se dane. _Quem é que não vai, quem é que não vai? E eu vou perder a chance de mostrar para aquelas pi
ranhas do escritório que estou na área? Nem pensar. Eu manjo o seu negócio, palhaço, você está planejando ir sozinho, beber uns uísques e arrastar a asa para a piranhada, eu conheço você, canalha.
_ Não são piranhas, Titina.
_ Não, eu é que sou, elas são umas santas de rosário na mão, me ajuda aqui, anda, esta merda deste zíper não sobe, maldito!
Doca Ramos Mello
Sou brasileira, já dobrei 500 anos de ilusões, histórias, esperanças e desventuras, na espécie. Na essência particular, dissocio-me (ou não) desta herança, juntando letras em crônicas sem pretensão nenhuma além de pôr para fora o que penso e me divertir. Assim, escrevo tudo o que me dá na telha - sem as letras, o limbo. Já recebi por volta de 30 prêmios no Brasil, um deles pela Academia Brasileira de Letras. Fui premiada também em Portugal. Publico crônicas em outros dois sites:
Cursei duas faculdades, falo inglês, produzo e reviso textos, traduzo. Escrevo, leio: vivo.
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