Acabei de ler um livro que se chama “Ishq e Mush”; uma história em que uma mãe
em seu leito de morte, diz à sua filha:
_”Lembre-se; existem duas coisas que não
podemos esconder:Ishq e Mushq. Amor e cheiro.”
Dizem os entendidos que a memória olfativa é a mais rudimentar e visceral das
memórias; o olfato é o primeiro órgão dos sentidos a se desenvolver ainda no
útero materno. É a memória olfativa que nos remete às mais distantes lembranças,
sejam elas boas ou más; de alegria ou de tristeza, de euforia, de dor, decepção,
encanto ou desencanto, raiva, medo, saudade.....Por isso o cheiro que desagrada
alguns, agrada outros. O odor está associado aos acontecimentos agradáveis ou
desagradáveis das experiências vividas. Impossível ficar indiferente ao cheiro
de terra molhada, ao perfume de uma flor, de madeira, de livro novo....Dizem até
que a atração sensual depende do mushq dos parceiros, não do perfume usado mas
do cheiro natural de cada um....Mushq se transformando em
Ishq!
O livro me lembrou uma visita que fiz à minha casa; não a casa onde moro que sem
dúvida também tem seu ishq e seu mushq, mas a casa que materialmente não me
pertence, mas que sobrevive na minha memória e que lá será sempre minha, meu
porto seguro mais visceral, como um útero que acolhe e protege; a casa onde
adquiri meus primeiros valores e meus primeiros afetos. A lembrança mais antiga
que tenho dela é de sua construção quando eu tinha menos de cinco anos. Seu
Manoel foi o mestre de obras que veio de Marilia especialmente para construir as
quatro casas dos quatro irmãos e sócios; eram oito irmãos, mas quatro
trabalhavam juntos em uma sociedade que durou muitos anos. Duas casas idênticas
e vizinhas na Avenida Brasil e outras duas também idênticas e vizinhas na Rua
Rui Barbosa, numa das quais vivi os anos da infância e adolescência.
Incrivelmente me lembro do Seu Manoel, já um homem idoso pra meus olhos de
criança. Minha mãe fazia o almoço para os todos os operários que trabalhavam na
casa, inclusive meu pai, e eu fui algumas vezes com ela levar as marmitas; era
assim que se fazia naqueles anos na pequena Herculândia.
Meu pai construiu sua casa em 1955, e quando digo construiu é literalmente; ele
também pôs a mão na massa, e lá morou seus últimos cinqüenta anos. Foi nesses
cinqüenta anos que a família toda construiu ali o que a casa tinha de melhor;
seu ishq e seu mushq. Algumas casas parecem ter alma; alma feita de pedacinhos
da alma das pessoas que nela viveram; eu pude sentir a alma da casa quando fui
visitá-la pela primeira vez, nove anos depois que meus pais partiram. Acreditei
estar fortalecida o bastante para rever a casa que hoje é um centro médico. Na
recepção onde era sua antiga sala, pedi permissão para entrar com o coração já
aos saltos; as duas jovens que lá estavam me olharam com estranhamento; eu era
uma intrusa invadindo seu local de trabalho, e por certo sentiram também o meu
inevitável estranhamento; aquela não era mais a minha casa, mas o meu coração
dizia que ali ainda restava um pouco da alma do meu lar.
Foi na cozinha que desabei; ali senti todo o ishq e mushq em forma de dor e
saudade. O cheiro que sobressaiu foi o do café forte que minha mãe fazia pra
todos que atravessavam a soleira da porta; o café que minha mãe fazia e meu pai
plantava....Senti fortemente entrelaçados ishq e mushq da alma da casa
despertando outros sentidos; e a memória auditiva me recordou dos risos e das
conversas quando a família se reunia, geralmente na cozinha. Algumas vezes tenho
dificuldade de recordar os traços do rosto dos meus pais, mas naquele momento
não só os “vi”, como ouvi minha mãe com seu forte sotaque espanhol e meu pai
assobiando como costumava fazer. A dor da saudade explodiu em soluços
incontroláveis. Saudade deles que partiram, da proximidade dos irmãos que ali
também cresceram, dos amigos e parentes que entravam e saiam como se estivessem
em suas próprias casas, saudade da jovem que fui....
Hoje a casa construída há mais de cinqüenta anos é um local de cuidados aos que
estão fragilizados, e fico grata que seja assim, certamente outras pessoas
sentem outros mushqs dentro dela, mas mesmo que a derrubem ela continuará em
minha memória e no meu ishq , como o meu primeiro lar....
Rosa Marin Emed
Na foto estão alguns dos 13 netos dos meus pais; mais de vinte anos separam as duas fotos em frente à casa deles. Hoje são 13 netos, 13 bisnetos e 3 tataranetos. Eles conheceram todos os netos e 8 bisnetos.
Rosinha, muito obrigado pelo apoio ao bloguito, um grande abraço a você e boa semana.
Sergio eu trabalho nessa Casa desta Familia hoje funciona como um Centro Medico esta alugada para a Prefeitura, nossa gostei muito de rever algumas pessoas que eu conhecia quando criança sou Sidineia filha do Otacilio borracheiro ok, abraços fraternos.
ResponderExcluirOlá Sidineia, filha de um grande homem, Otacílio Borracheiro, a quem a minha família deve enormes favores. Minha saudosa Mãe o adorava, pois quando estava sozinha no Posto, ao lado da sua casa, era sempre o prestativo Otacílio quem a socorria nos probleminhas que ocorriam, transmita-lhe um grande abraço.
ResponderExcluirInteressante que quando eu li esta bela crônica da Rosinha, fiquei emocionado, pois parecia que eu estava atrás dela nessa visita e eu ia pedir para alguém daí, notadamente ao Beltran ou à Carol, para que mostrassem às duas moças que a receberam, como citou no texto,
" Na recepção onde era sua antiga sala, pedi permissão para entrar com o coração já aos saltos; as duas jovens que lá estavam me olharam com estranhamento;"
e agora com seu comentário, fiquei feliz por dois motivos, um, que a mensagem chegou até aí e outro, por ser você, quem a recepcionou. Muito obrigado por acompanhar o bloguito, um grande abraço a você e também à sua colega de trabalho.
Muito bonita a crônica (mais uma) da Rosinha. Penso que todos nos sentimos nosso Ichq e o nosso Mushq. Mas este aqui abordado pela Rosinha é muito especial pela forma maravilhosa e carinhosa com que compõe, descreve e encaminha! Muito especial, como todas as crônicas da Rosinha!!! Parabéns cara amiga.
ResponderExcluirMinha querida irmã. Também sou sensível e muito ao tal de Ichq e Mushq e eles conseguem me remeter até o ponto mais distante no tempo de meu existência, lá no Crochet onde nasci. A casa, que hoje pertence a um de nossos irmãos e está alugada à municipalidade, onde esta mantem o Centro de Especialidades Médicas, passo por ela quase que todos os dias e todos os dias sinto a mesma emoção; a sensação da lembrança do café da manhã junto com êles. O mestre de obras de sua construção era um senhor de idade que morava em Marilia e vinha trabalhar na construção das casas às segundas e voltava para Marilia aos Sábados enquanto durou a construção das casas e quero me lembrar que ele tinha uma relação de parentesco com a tia Carmem e a Tia Encarnita, pois o pai delas Pedro Salles quando saiu do Cr4ochet, mudou-se para Marilia, mas quem pode dizer isso seriam as próprias tias. Você irmã, nasceu quando ainda moravamos na casa do final da Avenida Campos Salles que depois foi vendida ao Oscar Gama. Tenho uma foto daquela antiga casa, preciso procura-la melhor pois não a tenho encontrado, mas encontrando-a a postarei. Parabens irmã, pela saborosa crônica. Teu irmão BELTRAN
ResponderExcluir1) No comentário acima desculpe o erro gramatical "meu existência";
ResponderExcluir2) Quando disse café da manhã com eles, quis dizer com papai e mamãe.