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.- A ÁRVORE QUE O SÁBIO VÊ, NÃO É A MESMA ÁRVORE QUE O TOLO VÊ! William Blake, londrino, 1800.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

A ilha do Cypango - Augusto dos Anjos


Estou sozinho! A estrada se desdobra
Como uma imensa e rutilante cobra
De epiderme finíssima de areia…
E por essa finíssima epiderme
Eis-me passeando como um grande verme
Que, ao sol, em plena podridão, passeia!
A agonia do sol vai ter começo!
Caio de joelhos, trêmulo… Ofereço
Preces a Deus de amor e de respeito
E o Ocaso que nas águas se retrata
Nitidamente reproduz, exata,
A saudade interior que há no meu peito…

Tenho alucinações de toda a sorte…
Impressionado sem cessar com a Morte
E sentindo o que um lázaro não sente,
Em negras nuanças lúgubres e aziagas
Vejo terribilíssimas adagas,
Atravessando os ares bruscamente.

Os olhos volvo para o céu divino
E observo-me pigmeu e pequenino
Através de minúsculos espelhos.
Assim, quem diante duma cordilheira,
Pára, entre assombros, pela vez primeira,
Sente vontade de cair de joelhos!

Soa o rumor fatídico dos ventos,
Anunciando desmoronamentos
De mil lajedos sobre mil lajedos…
E ao longe soam trágicos fracassos
De heróis, partindo e fraturando os braços
Nas pontas escarpadas dos rochedos!

Mas de repente, num enleio doce,
Qual se num sonho arrebatado fosse,
Na ilha encantada de Cypango tombo,
Da qual, no meio, em luz perpétua, brilha
A árvore da perpétua maravilha,
À cuja sombra descansou Colombo!

Foi nessa ilha encantada de Cypango,
Verde, afetando a forma de um losango,
Rica, ostentando amplo floral risonho,
Que Toscanelli viu seu sonho extinto
E como sucedeu a Afonso Quinto
Foi sobre essa ilha que extingui meu sonho!

Lembro-me bem. Nesse maldito dia
O gênio singular da Fantasia
Convidou-me a sorrir para um passeio…
Iríamos a um país de eternas pazes
Onde em cada deserto há mil oásis
E em cada rocha um cristalino veio.

Gozei numa hora séculos de afagos,
Banhei-me na água de risonhos lagos,
E finalmente me cobri de flores…
Mas veio o vento que a Desgraça espalha
E cobriu-me com o pano da mortalha,
Que estou cosendo para os meus amores!

Desde então para cá fiquei sombrio!
Um penetrante e corrosivo frio
Anestesiou-me a sensibilidade
E as grandes golpes arrancou as raízes
Que prendiam meus dias infelizes
A um sonho antigo de felicidade!

Invoco os Deuses salvadores do erro.
A tarde morre. Passa o seu enterro!…
A luz descreve ziguezagues tortos
Enviando à terra os derradeiros beijos.
Pela estrada feral dois realejos
Estão chorando meus amores mortos!

E a treva ocupa toda a estrada longa…
O Firmamento é uma caverna oblonga
Em cujo fundo a Via-láctea existe.
E como agora a lua cheia brilha!
Ilha maldita vinte vezes a ilha
Que para todo o sempre me fez triste!

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos (Cruz do Espírito Santo, 20 de abril de 1884 — Leopoldina, 12 de novembro de 1914) - Foi poeta. Começou colaborando com o jornal O Comércio, onde publicou seus primeiros poemas. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Cidade do Recife. Publicou um único livro em vida, Eu, no ano de 1912. Após sua morte, é publicado o livro Eu e Outras Poesias, contendo alguns poemas inéditos. 
Considerado por muitos como um dos grande poetas brasileiros.

Fonte: http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2012/10/22/a-ilha-do-cypango-augusto-dos-anjos-471383.asp

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