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.- A ÁRVORE QUE O SÁBIO VÊ, NÃO É A MESMA ÁRVORE QUE O TOLO VÊ! William Blake, londrino, 1800.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Saudade de Herculândia LIV

A Focinhada do Pé de bode

Pouco tempo antes de seu passamento, o Andrezinho Walderramas me lembrou de um fato engraçado que nos aconteceu nos estertores dos anos 50, com a pickup Ford 29, pé de bode do João Mecânico, com carroceria alta, de madeira maciça, que teve os grampos do eixo da frente rompidos num buraco coberto d’água, em plena av. Aymorés, em Tupã, aonde havíamos ido num baile no Buarque de Macedo
; eu, o João Mecânico (João Marques de Oliveira), diz agora o João que o seu irmão Luiz Carlos Garcia também estava presente, embora ele fosse bem novo, mais um professor carioca de nome Danilo, que aqui lecionava e mais um ou dois outros jovens de que não nos recordamos.
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Lembro-me muito bem que já no baile o mar não estava pra peixe, era 10 pra 1 ou seja: uma dama para 10 cavalheiros e não havia nem para o João, com seu bigodinho misto de Clark Gable com Errol Flynn, mas como choveu a noite toda, ficamos retidos no recinto até o amanhecer, quando o pior ainda estava por acontecer.
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Cessada a chuva, já de madrugada, saímos e empurramos a camioneta até a av. Aymorés, na descida sentido Santa Casa, para que o motor pegasse no tranco (a bateria não retinha carga). Feito isto, os que estavam empurrando a dita cuja mais na frente, tiveram tempo ainda, em marcha lenta, de subir na cabine (02), e na carroceria, os restantes, e eu, que estava mais atrás, tive tempo apenas de subir no estribo e me segurar no corrimão da carroceria, onde o João me pediu que permanecesse até que o motor aquecesse e a bateria recarregasse.
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Fizemos a volta no quarteirão, no entorno do Buarque de Macedo e tomamos novamente a av. Aymorés, sentido Herculândia, estrada em terra (a única que havia).
Entretanto, o trecho da Aymorés compreendido entre a r. Tabajaras e a Tapuias, estava em obras, onde a Prefeitura havia revestido tudo com terra vermelha, provavelmente em operação tapa buracos, ou preparando para pavimentação, não me lembro, de sorte que, com a chuva daquela noite e o tráfego dos primeiros caminhões e automóveis demandando às outras cidades da região, se formaram duas trilhas recobertas d’água, naquele lodaçal todo e eu, encarapitado no estribo e o João com o pé no fundo para não encalhar. Subitamente, divisei à distância um alargamento das duas trilhas, formando uma enorme poça d’água. Intui que a mesma poderia encobrir uma enorme cratera preexistente ao aterramento, onde algum caminhão grande e carregado deveria ter encravado naquela noite e a chuva novamente teria encoberto tudo com água. Gritei para que o João detivesse a camioneta e o que você acha que ele fez, ô Sergio? Isso mesmo que você está pensando: afundou o pé até na tabua. O motorzinho do bólido cuspia fogo e urrava como fera indomada enquanto ele me ordenava: “se segura Beltran que já já passamos este atoleiro”. Era lama e água que voava por todos os lados.
Fechei os olhos e esperei o pior. Não deu outra; um estrondo e minhas mãos se soltaram do corrimão. Por alguns segundos me senti no vazio do espaço, literalmente voando e por outros tantos segundos, rolando naquela lama macia, desconfortavelmente fria e úmida, até a completa aterrissagem. Por um instante fiquei paralisado tentando concatenar as idéias e me certificar que estava ileso. Ergui-me, olhando pra traz e ainda de joelhos naquele lodaçal, vi o caos.
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A frente do bólido do João, com pára-choque e tudo, encontrava-se semi enterrada na lama; os paralamas retorcidos, mas e as rodas da frente? Não as via. Sumiram. Colocando-me de pé, também notei que o meu terno azul marinho trocara de cor. Agora era azul marinho vermelho e chegando mais perto de nossa valente viatura, pude entender o que havia acontecido. Ao atingir aquele enorme charco de água e lama, que na verdade encobria uma imensa cratera endurecida que ali deveria preexistir antes de jogarem terra vermelha, as rodas dianteiras do pé de bode sofreram um impacto muito forte na parede posterior dessa cratera, fazendo com que os frágeis grampos que uniam o eixo dianteiro ao feixe de molas, ou deste ao chassi, se soltassem, permanecendo todo o eixo dianteiro no buraco, até juntar-se e emaranhar-se com o eixo traseiro, que veio de traz ao seu encontro, continuando avançando o conjunto chassi, cabine e a carroceria alguns metros mais, sem o trem dianteiro, o que veio a amortecer a força do impacto, para muita sorte daquele bando de jovens “ajuizadíssimos”.
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Assim mesmo, o Andrezinho, bateu com a cabeça no espelho retrovisor e fez apenas um pequeno corte na testa. Os demais, apenas ligeiras escoriações nas mãos e no peito. Nada além disso, graças à Deus. Ai, rumamos a pé até a estação ferroviária para esperar o primeiro trem para Herculândia e eu tive que aturar a gozação, não só de meus companheiros de aventura, como dos passageiros do trem, graças ao meu terno azul marinho vermelho.
O que me espanta, ô Sérgio, é a consciência Jurídica demonstrada pelo João Mecânico, já naquele tempo, em que nem se ouvia falar em dano emergente: material ou moral. “Eu vou processar essa Prefeitura” (entenda-se o município), dizia ele. Mas isso nem foi necessário. Já no primeiro dia útil seguinte, o Município se compôs amigavelmente com o João, reparando a mecânica e a lataria de sua fantástica e valente camioneta, deixando-a novinha em folha, segundo ele me disse depois.
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Foi um final de semana enriquecedor, desses que não se esquece. Ainda que com esses percalços todos, sem televisão, sem Internet, sem globalização, sem telefonia celular, éramos muito felizes e não sabíamos.
De dar inveja às novas gerações, com todas essas modernidades.
Beltran

Grande, meu amigo de juventude, Beltran Marin Gasquez. Crônica perfeita, que relembrou momentos de aventura vividos no nosso torrão natal. Agora vamos às explicações das fotos, as quais poderão ser vistas ampliadas se clicando nas mesmas.

A primeira, atual, é do Beltran, seguida da de época, do João Marques de Oliveira, protagonista da grande aventura. A terceira, encontrei na Net, de modelo parecido com o Fordinho (pé de bode) do João. A quarta foto, de época, registra a Oficina Mecânica do João, atrás do Reo 1949 que era do meu avô. A quinta, também de época, mostra o Andrezinho, de chapéu preto, logo após, seu irmão Tonico e mais lá no fundo, entre os dois, eu mesmo. A última, recente, de uns dois anos, o Fordinho 1929 do Mário, do CAAT - Clube de Autos Antigos de Taubaté.

Esperamos que outras historinhas apareçam por aqui, né não José Sylvio?

Abraços a todos, obrigado pelo carinho e cliquem aí para ouvirem o Rei cantando O Calhambeque.

Um comentário:

  1. Sergio,
    Realmente muito engraçada e muito bem escrita. Mas na época acho que não teve muita graça e sim um grande susto! A graça só vem depois, quando se certifica de que todos estavam bem... Ainda bem, não é mesmo?
    Beltran, parabéns pela fluidez da narração e pela verve!
    Abraço a todos.

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