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.- A ÁRVORE QUE O SÁBIO VÊ, NÃO É A MESMA ÁRVORE QUE O TOLO VÊ! William Blake, londrino, 1800.

domingo, 12 de abril de 2009

SAUDADE DE HERCULÂNDIA XI

Pesquisando pela net sobre Herculândia, encontrei este primoroso texto do jovem Luiz Fukushiro. Conheci seus pais, o saudoso Isao e a Ana Maria Prince, bem como toda a família de ambos. Seu tio Antonio Carlos, o Carlito, era do meu grupinho de amigos da adolescência. Parabéns Luiz, texto de excelente qualidade e significativo.

O estrangeiro simpático 8 10 2008

(Um post longo, mas rápido de se ler.)
Todo mundo vivia me falando que no Japão todo mundo é hospitaleiro com estrangeiros. Primeiro porque japonês estuda inglês e não tem com quem treinar e segundo que japonês acha que simboliza o país todo e se for chato vai fazer com que o estrangeiro ache que o país todo é um horror.
Tudo balela.
Pelo menos comigo. A questão é que com um amigo americano é tudo muito diferente. Ele vai aos lugares e as pessoas conversam com ele, sugerem coisas do cardápio, contam curiosidades locais, falam sobre coisas banais (afinal, japa não conta a vida toda como alguns brasileiros fazem na primeira chance que tem – não que seja ruim de qualquer forma), enfim, são super simpáticos.
Eu sei que eu não sou assim um poço de simpatia, o que pode então afugentar os japas. Resolvi então hoje, durante o dia todo, aplicar o teste do estrangeiro simpático. Durante a semana, eu fui vendo o que meu amigo fazia para hoje então fazer igual e checar os resultados. Já que era dia de folga e eu teria que passear pela cidade atrás de coisas pro apartamento e resolver burocracias, aproveitei e almocei fora também.
Em primeiro lugar, fui à biblioteca. Tinha que fazer a carteirinha. O máximo de simpatia que eu tive do bibliotecário foi ele falar bem devagar para eu entender os procedimentos. Fiquei perguntando coisas da biblioteca, ele respondia meio seco, burocrático. Tudo bem, biblioteca não é lugar de bater papo mesmo.
Fui então almoçar. Era uma casa de lamen dessas pequenas, então o povo costuma ser simpático. Que nada. Primeiro pedi uma sugestão pra mocinha de um lamen gelado (descobri que falar japonês a japoneses já é um quebra-gelo, porque eles acham que eu não vou entender nada ou não vou conseguir falar nada até a primeira frase mais complexa que “ohayo gozaimasu” ou equivalente). Ela simplesmente apontou no cardápio a parte de lamen gelado. E esqueceu-se de trazer minha agüinha enquanto fazia uns 35 graus lá fora. O cara do caixa, a mesma coisa. Ele parecia estar com medo de receber meu dinheiro. E eu, atrapalhado como só, derrubei as moedas para saber que eu não tinha o suficiente e teria que trocar nota alta. Ele de olhos arregalados, nem ao menos pra rir da minha situação. Fiz uma piadinha falando que era desastrado mesmo, ele nem ensaiou um sorrisinho.
Aí eu fui à loja comprar uma estantezinha. O mesmo medo do caixa da casa de lamen eu senti vindo da empacotadora da loja. Ela me entregou a sacola do mesmo jeito que você dá um pedaço de picanha pra um leão. A tiazinha do caixa foi o mais blasé possível. O máximo de simpatia veio de um funcionário que veio correndo e sorridente me entregar uma coisa que eu derrubei. Afinal, eu continuo desastrado e queria porque queria levar um fardo repleto de MDF de um metro e meio na bicicleta.
Fui então cortar o cabelo. Cheguei à loja, a mulher só me apontou a cadeira. Fui puxando papo, falei que era a primeira vez que vinha cortar cabelo no Japão, essa baboseira toda. O cara que ia cortar me olhou meio com um desprezo misto com preocupação sobre o que ele iria fazer. Ele pegou uma revista, eu apontei um japa lá e ele começou a cortar. Não trocou uma palavra, não fosse a parte “corta mais?”. Também não quis arriscar. Ele achava que eu não falava nada em japonês e ficava gesticulando.
No correio, fui avisar que mudei de endereço. Fui todo fluente e simpático. O cara ficava me olhando pensando no que ia falar. Em japonês. E ficava repetindo o procedimento de preencher um papel bobinho que tinha instruções em inglês.
Aí cheguei em casa e fiquei matutando o porquê das pessoas mais terem medo de mim do que curiosidade. Ou mesmo aquela vontade de falar inglês. Ou de mostrar como o Japão é lindo.
Duas coisas acontecem com brasileiros que resultam em reações similares, mas não são o meu caso.
Em regiões com muitos brasileiros, alguns japoneses têm medo/raiva/desprezo para com a brasileirada porque acham que os tupiniquins são grossos/barulhentos/arruaceiros/gueto. Não é o caso. Em Matsue você pode contar os brasileiros nos dedos de uma mão.
Quando você é brasileiro, porém nikkei 100%, sem ser mestiço, alguns japas tendem a achar que você é japonês também. Então não tem nada demais. Nem desprezo, nem empatia. É só mais um japonês. Não é o meu caso. Eu sou mestiço e italiano da Callabria é turrão até no DNA.
Então veio a minha teoria que explica o fato de o meu amigo americano ser definitivamente bem sucedido no quesito “o estrangeiro simpático”. É porque ele é americano e Japan loves America?
Não. Japonês não sabe distinguir estrangeiros que não sejam asiáticos mongolóides (no sentido de pessoas-de-olho-puxado, vejam bem, “amarelos”). A questão é mais física. O americano é semi-loiro (aquele loiro que é meio cinza, sabe?), tem um metro e sessenta e pouco, magrinho, carinha redonda. Japonês adora um/uma loiro/loira. Pelo menos até onde vi. Eles acham diferente, super ocidente, super eu-quero-falar-com-você.
Já eu tenho cabelo tão preto quanto os japas, uma cara angular de barba malfeita, 1,80m e sobrancelha de carcamano. Ou seja, assusta. Ainda mais com essa cara de latino (xi, melhor eu nem ir pros Estados Unidos então). As crianças realmente me olham com espanto. Se eu faço uma brincadeirinha com elas, elas choram (fato).
O americano faz o mesmo quando a criança olha com aquele jeito de estrangeiro = E.T. e a criança dá até tchauzinho.
Mãe, não vou culpar a senhora por ter me passado esses genes todos. Eu ainda gosto deles, fora que eles me dão toda uma chance de ter cidadania italiana. A questão é que eles não são úteis no Japão. Pelo menos na hora de ser o estrangeiro simpático.
Tudo bem, é só sempre ter um americano à mão para ser bem tratado como o amigo-do-americano-simpático. Parece que não, mas tem toda uma geopolítica aí.

Luiz Fukushiro

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