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.- A ÁRVORE QUE O SÁBIO VÊ, NÃO É A MESMA ÁRVORE QUE O TOLO VÊ! William Blake, londrino, 1800.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

No Templo de Fukuroi minha alma se abre à antiga tradição

Hoje chove, pela primeira vez! Mais um bom momento para reflexão, aqui no Japão. Depois de muitos dias de calor e sol intenso, a chuva chegou fina, mansa, pela primeira vez. Coloco blusa e tenho meias nos pés, pois aqui se tira o sapato dentro das casas e principais ambientes. Isso, também, é uma forma de respeito, na tradição.
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Aliás, penso que um dos segredos da serenidade, da calma que dá o tom ao comportamento dos japoneses é, exatamente, o fato de estarem, todos os dias, em contato com o elemento terra... A mãe primeira de todos nós!
Mas se hoje tenho muito que pensar é porque ontem fui conhecer templos japoneses próximos da região.
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Com o apoio do meu amigo João Harada, tio dos meus filhos, que há cerca de vinte anos não via, pois que veio, como muitos outros brasileiros, trabalhar e morar no Japão, como um bom dekassegui que é, fui visitar o templo Hattasan Soneiji na cidade de Fukuroi, na Província de Shizuoka.
Hattasan Soneiji é um templo budista, cuja história remonta ao ano de 725, quando por ordem do Imperador Shomu, a estátua da Deusa da Compaixão, uma das mais tradicionais do Japão, teria sido colocada em seu interior. Segundo dizem, ela é portadora de poderes que espantam as desventuras.
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Localizado no alto de uma montanha, para chegar até ele é preciso percorrer uma longa via que possui, de um lado, enormes árvores seculares de pinheiros e, de outro, um barranco de pedras, onde foram construídas as casas dos monges e, também, pequenos outros templos ou casas de orações. No local há, ainda, mil pés de cerejeiras, tornando-o conhecido também como ponto de admiração das sakuras, as flores de cerejeiras.
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Infelizmente, como o inverno está muito próximo, aqui no Japão, fui privado dessa particular beleza, mas contemplei os galhos secos que guardam em seu interior os germes que voltarão à vida após a fria estação.
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A entrada, um enorme portal, é marcada por duas grandes colunas, construídas por duas espécies de folhas de pedras, nas quais inscrições, compostas por letras e hieróglifos, estão cobertas por musgos cultivados pelo tempo.
É nesta entrada principal que existe o portal Nioh, coberto por um telhado convencional da época, emoldurado por duas estátuas do deus Nioh, protetor das leis búdicas.



















As imagens são consideradas patrimônio cultural essencial da Nação. Elas são gigantescas, provavelmente de madeira pintada, já que não conseguimos identificar o material pelo isolamento que nos é imposto por uma espécie de cela ou grade de madeira, e nos olham severamente, como se nos alertassem que além delas estaremos correndo o risco da punição se não trouxermos no coração a sinceridade, a humildade e a simples disposição da pura contemplação.
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Logo após o portal, onde se encontram as estátuas, existe um local de purificação, onde estão colocadas várias espécies de canequinhas de lata, com cabos cumpridos de madeira, depositadas sobre uma pia de pedra, cheia de água límpida que sai de uma fonte.

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Pego um delas, tiro um pouco da água, lavo ambas as mãos, tomo três goles, conforme orientação do meu cicerone, e, em seguida, levantando a parte superior, deixo escorrer o resto da água pelo cabo em direção a minha mão, que cai na terra que e coberta por pequenas pedras roliças, esbranquiçadas.
Pronto, passei pelo elemento água! Minha alma se encontra sensibilizada, posso agora me dirigir aos pés da Deusa da Compaixão, onde tenho que fazer minha primeira súplica, ainda no átrio do Templo.
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Agora avanço em direção a uma espécie de grande incensório, onde deposito três incensos e curvo-me, em silêncio, em devoção. Há respeito em meu coração e minha mente busca uma conexão com os antigos deuses!
Mais alguns passos e, à esquerda, defronto-me com um olhar severo, quase ameaçador, de um antigo deus com uma longa espada na mão que pela forma avermelhada em suas costas, contrastando com o verde da natureza ao fundo, me faz pensar que agora o fogo seria o elemento da provação.
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Sua imagem negra lembrava o novo e parecia contrastar com o antigo. Era como se ele estivesse ali há pouco tempo, diferente de tudo que compunha o ambiente, além das escadas que conduziam ao templo principal que, também, eram de pedras aparentemente rec
ém talhadas.


















É um encontro marcante! O olhar do deus é profundo e o ambiente chega ser desafiador. Estaria eu preparado para a purificação?
Uma certa veneração encontra repouso nas profundezas do meu ser, como uma antiga recordação que quer vir à mente mas que não se completa... Que não fecha com meus pensamentos, pois parece-me que falta informações, conteúdos na minha memoria. São aparentes lembrança que não se tornam conscientes, mas existe..., pois está lá, não posso negar!
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Talvez, isso seja só um componente antigo de minha alma, que por si só já é extremamente religiosa, quase devocional!
Quem sabe? As respostas, nestes momentos, não são tão importantes. Importante é viver, sentir, estar presente! Pois, o real é que aqui estou, no Japão... Aos pés de grandes deuses que, em seus silêncios e olhares severos, representam séculos de tradição!... Isto é real, verdadeiro, histórico... E, até mesmo, filosófico e transcendental, já que preenche a minha alma e me torna, no tempo, um ser universal.
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Quantos séculos se passaram, quantas almas aqui se curvaram, na busca, após a peregrinação? !... Pergunto eu. Quantos homens aqui choraram, em prece, em clamor? Certamente, foram milhares de súplicas, de atos de gratidão, incontáveis quantidades de profundas emoções. Tudo isso passa pela minha mente e eu pergunto, a mim mesmo, quantos seres aqui encontraram a paz na busca de suas próprias redenções. Ou, então, se defrontaram com alguma forma de punição, diante de seus arrependimentos, de suas culpas e de suas ações.
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Agora aqui estou eu, em plena contemplação!... Como se, também, buscasse culpa ou mérito que, talvez, estejam guardados no passado de minha alma, mas que agora não brotam como recordações. Será que, depois desse contato, dessas provações, posso continuar o mesmo? Talvez... Quem sabe? O tempo dirá..! Meu sangue é o mesmo, meu corpo não mudou, embora possa ter se estremecido um pouco, com tanta emoção. Mas e o meu coração? Minha alma parece que despertou! Pois meus olhos contemplaram a tradição, guardada no silêncio e na paz que habita os templos e os seus arredores. Sinto que estes ambientes, povoados de fantasmas seculares, que se movimentam em minha mente como antigas imagens de samurais e sacerdotes, num ir e vir silencioso, fizeram com que a minha mente se abrisse, ainda mais, para novos e antigos universos, que nesta vida ainda, provavelmente, não tinham sidos meus.


2 comentários:

  1. Eu também visitei esse lugar! Sou uma Cristã, mas respeito o lugar, tentei entender o que vi, e o que senti foi alegria e contemplação! Também senti como uma cidadã do mundo!Privilegiada por estar ali, sem saber a história. Agora li esse texto esclarecedor! Arigatou!

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  2. Eu também visitei esse lugar! Sou uma Cristã, mas respeito o lugar, tentei entender o que vi, e o que senti foi alegria e contemplação! Também senti como uma cidadã do mundo!Privilegiada por estar ali, sem saber a história. Agora li esse texto esclarecedor! Arigatou!

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